quarta-feira, 20 de maio de 2015

Segurança pública e insegurança moral

Tudo está muito ruim. Mas muito mesmo. Alguns setores competem entre si para saber qual está pior. Obviamente, os petistas de cruz-na-testa reclamam de exageros. Afinal, "a imprensa é golpista", e ninguém entende que todo mundo precisa "dar um pouco em troca do bem coletivo". Estão todos afogados pela própria religião. A coisa está tão ruim que estaria pior, se o PSDB tivesse mordido as eleições. Os petistas estariam prevendo o apocalipse zumbi, sem nenhum moralismo ou freio. Tão ruim que se piorar mais um pouco ficará bom.

Só em países que não passaram por uma reforma política-liberal e educacional violenta podem chegar no nível de pré-modernidade que o Brasil chegou. Não é uma tarefa fácil ser tão ruim. É uma mistura de positivismo, ecletismo e provincianismo. É muito sincretismo - religioso, político e moral - ao mesmo tempo. É tolerar a intolerância.

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Educação, saúde ou segurança pública? Você pode escolher o setor que está pior. Pode escolher jogando uma moeda, mesmo, tanto faz. Pragmatismo nunca é demais numa hora dessas.

Eu, pessoalmente, escolhi a segurança pública. E, depois de jogada minha moedinha de três lados, vou argumentar que a segurança pública é o setor que piorou de forma mais galopante nos últimos governos. É provável que a segurança pública estivesse até em uma posição confortável e a piora para alcançar as colegas educação e saúde tornem o problema mais chamativo. Também é a segurança pública que estava "menos pior", antes do engodo todo recomeçar. Sim. Recomeçar. O buraco no qual nos estamos enterrados foi reaberto muitas vezes, sem nunca ter sido fechado completamente. Agora, a segurança pública foi sepultada por falta de pacto federativo, sucateamento geral dos estados e a completa ausência de competência do governo central.


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Por exemplo:
 
Porto Alegre, onde eu moro, emparelhou com outras grandes capitais: tem grupos mafiosos originais e completamente independentes de qualquer fator público ou estatal. Isso realmente é uma novidade para esses lados. Antes, a malandragem era amadora, mas teve tempo e apoio estatal para se profissionalizar. Governos marginais incentivam a marginalidade. Outro ponto muito observável, do qual não vejo nenhuma movimentação prática e nenhuma tese de doutorado sendo produzida, diz respeito a inversa proporcionalidade da diminuição do abismo social e do aumento da insegurança. Isso acontece porque, diferente daquilo que pregam os fatalistas sociais - todos crentes no destino, a melhora do poder de compra dos mais pobres não os torna, necessariamente, mais afastados da bandidagem. Alguém pode dizer "meu filho não precisa mais trabalhar vendendo picolé e pode ir para a escola", mas ninguém nunca dirá "agora, com bolsa família, meu filho está livre de trabalhar para o tráfico de drogas". A cretinice sempre encontra primeiro as crianças. É assim com o crime organizado e com os bandidos nas câmaras de vereadores. Não muda nada. Só o grau da safadeza: quanto mais próximo do poder, mais safado.

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Eu ficaria muito feliz de poder respeitar todas as leis. Sério. Não parece, mas nasci legalista. Mas leis injustas existem para serem violadas. Simplesmente questioná-las democraticamente não garante nenhuma uma melhora da democracia. Tentem vocês subverter todas as leis injustas para ver o quanto elas resistem. Conhecendo meu perfil, tenho orgulho de dizer que teria desrespeitado a lei que mandava denunciar judeus na Alemanha nazista. Não me importo em desrespeitar o Estatuto do Desarmamento, ainda mais quando é o meu couro na roda. Logo, logo, o estatuto cairá. Estatutos devem ser para potencializar direitos. É assim com o Estatudo da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, da Mulher etc. Se um estatuto quer limitar algum direito, ele não é só injusto, mas ilegal.

Além das leis injustas, orientações estúpidas não devem ser seguidas. Isso quem nos ensinou foi o Romário, acho. "Eu sigo as orientações do técnico quando ele não está dizendo bobagem. Quando ele fala para eu fazer algo que me afaste do objetivo de marcar gol, eu ignoro", parafraseei algo que ouvi. Verdade. Sempre que algum coronel idiota da segurança pública vai a público dizer para as pessoas não reagirem aos assaltos, incentivando a covardia geral e ignorando completamente o instinto de defesa de qualquer ser humano, aí está algo para ser ignorado. Oferecesse o estado algo em troca, quem sabe, meu comportamento poderia ser diferente. Mas duvido muito. Nenhuma orientação pode ser tão estúpida a respeito da segurança individual e, consequentemente, pública. Defender-se não é um mero direito. É um tipo de obrigação para não incentivar a covardia. A covardia não serve com regra.

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Sair da pré-modernidade? Respeitar regras? Querer que a vida valha a pena? Honestamente, não aqui. Perdemos as chances de melhorar nossas vidas, porque acreditar na benevolência estatal e ter otimismo para pensar em justiça social, sem nenhuma preocupação prévia com direitos individuais, é a única coisa que conseguimos fazer no nosso dia-a-dia político. 

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