terça-feira, 20 de junho de 2023

Paradoxo de Shimo

Confesso que a ideia original deste texto veio do Rogerio Skylab, mas como sou amigo do Shimo, dou-me o direito de batizar do jeito que eu quiser. Assim como o Elton Schmorantz não tem celular, pelo menos não um aparelho destes conectados à internet, recentemente, Skylab deu uma entrevista explicando sua preferência por não estar conectado: o faz cumprir acordos de maneira pontual e evitar desculpas para não cumprir acordos. 

Na semana passada eu encontrei um outro jeito de confirmar que o paradoxo de Shimo, andar pela rua desconectado, pode ser algo produtivo. Questões relativas ao trabalho. Eis o que fiz: contei os últimos 50 contatos feitos pelo whatsapp e separei os diálogos nas seguintes categorias. 

 

Valor total

O contato existiria se a pessoa não tivesse contato comigo pelo whatsapp, por outros meios?

A demanda não existiria se não fosse o whatsapp.

Contatos ou conversas pessoais

19

É só conversa pessoal, sem possibilidade de encontro físico: 16.

Daria para se reunir e tomar uma cerveja: 3.

Contatos ou conversas profissionais.

31

Se precisasse enviar a demanda por e-mail ou telefonar a demanda não existiria: 29.

Urgente urgentíssimo, o whatsapp foi a melhor opção: 2.


Como vocês podem perceber, essa enquete que fiz comigo mesmo confirma uma coisa importantíssima do paradoxo de Shimo: os problemas não são criados pelas pessoas. Pelo contrário, na maioria dos casos, as demandas profissionais seriam resolvidas com mais facilidade pelo demandante se o obrigassem a enviar um e-mail para recorrer a mim. Ou seja, as pessoas são inclinadas a entrar em contato pela facilidade que o aplicativo traz para exteriorizar os seus problemas. 

O Brasil é um lugar de epistemologia especial. Áudio por whatsapp, conversas prolixas e sem sentido e memes são coisas bem brasileiras. É impossível imaginar um lugar onde essa epistemologia se manifesta como o espaço razoável para o trabalho. Um cara com o meu perfil profissional acaba sendo demandando como se fosse um pizzaria para fazer pedidos enquanto o demandante pensa no que quer pedir, sem saber exatamente o que quer ou sem ter condições de pedir um sabor especial mais caro, porque ouvirá um "não faço; faça você". Quando essa mesma percepção é levada para grupos em aplicativos de conversa, a coisa ganha uma dimensão ainda maior. Egos são expostos publicamente, ficam vulneráveis e a fraqueza da sociabilidade fica ainda mais evidente.  

Coaduna com minha pesquisa do instituto "tirei do cool", a percepção geral de colegas e amigos: "estou muito cansado"; "tenho a impressão de que faço tudo sozinho". É o que ouço de todos que trabalham e precisam usar para algum tipo de atendimento ou demanda o whatsapp. Todos atendentes de pizzaria. 

O que quero mostrar alguém razoável já percebeu: as pessoas estão trabalhando não para cumprir demandas, mas para atender as necessidades movimentadas pela ansiedade daqueles que usam essas ferramentas de comunicação com coisas que jamais seriam problemas meus se fossem problemas reais de quem procura uma solução. 

Espero que o Shimo leia isso e continue uma inspiração para quem quer abandonar a comunicação pueril. Ele nos mostra que é possível usar a internet e a comunicação de redes sociais de maneira sadia, evitando trabalho, retrabalho e confrontos desnecessários, porque inexistentes na materialidade. 

Um tópico final é sobre a percepção óbvia de que as demandas são movimentadas por pessoas desinteressantes, preguiçosas e isso deixa em alerta e sobrecarga indivíduos com algum tipo de tendência a pro-atividade. O que não pode ser medido é a inteligência emocional (e social também) daqueles que rejeitam a sobrecarga. Com um grupo gigantesco de ansiosos, ficamos parecemos ludistas, olhamos para a máquina e falamos mentalmente com os parafusos do sistema: "calma lá, amigo! Se a demanda poderia ser passada para sua secretária, não ranja seus dentes diretamente comigo". Nessa espuma que a onda levou, ignorar um pedido é muito mais custoso do que pensar em como resolver o problema; mostrar que a pessoa poderia resolver o que pretende sozinha se transforma numa afronta equivalente a uma ofensa a todo tipo de inteligência, principalmente as mais limitadas. 

Ultimamente, descolei da minha experiência frase prontas do tipo: "não faz parte da descrição da minha função lhe entregar isso organizado da maneira que você quer"; "no sistema da universidade você encontra essa informação usando seu número de matrícula e pesquisando nas abas"; "essa demanda vai entrar em uma fila enorme de e-mails, portanto, manda-me um e-mail que eu analiso a real necessidade de alterar a ordem de importância do que você está me pedindo para compará-la com as outras necessidades e prazos"; "posso atender seu pedido, se você me enviar o que precisa minutado para que eu insira na próxima reunião". 

E o que acontece? As pessoas desistem de que aquilo é um problema, encontram outra forma de resolver por conta própria, assistindo um tutorial no Youtube ou se zangam comigo. Normalmente, as três coisas ao mesmo tempo. 

O paradoxo de Shimo não exclui a internet ou as redes sociais da vida das pessoas, apenas ensina que não somos secretários uns dos outros. 

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