Passei 25 dias lendo fanfic da extrema-direita, meu cérebro não derreteu, mas...
O problema em termo da guerra
cultural nasce de tensões estéticas e urbanas, estabelecidas especialmente a
partir da pluralidade de recursos culturais. Nos Estados Unidos, o termo foi
empregado por Robert Mapplethorpe (1946-1989), fotógrafo nova-iorquino que
utilizou o termo para se auto-identificar em meio a tensão de críticas a sua
própria produção com fotografias potencialmente eróticas. São três os campos de
batalha da Guerra Cultural, desde então: religião, sexualidade e etnia. No
Brasil, a própria perspectiva de tensão é frustrada. E eu vou tentar explicar porquê.
Por conta de inabilidade no
trato dos problemas centrais, falta de comprometimento epistêmico com aquilo
que de fato se defende, a guerra cultural no Brasil não foi ruralizada, como
nos Estados Unidos, mas pouco se toca nos problemas que concernem a sexualidade
e etnia diretamente. Os conservadores brasileiros preferem uma abordagem
voltada para o conspiracionismo. As teorias da conspiração utilizadas por aqui
não são divergentes daquelas das quais se aproveitam os escritores dedicados ao
tema “Guerra Cultural” na América, mas possuem características especiais. Em
primeiro lugar, a estética que é sugerida se transforma em algo não-rural ou de
“desenvolvimento” urbano do interior. Em segundo lugar, por falta de uma
estética conservadora no estilo “texas ranger cowboy”, as noções de família,
raça ou mesmo o antissemitismo, marcas latentes destes escritores nacionais é
fundamentalmente levada para uma religiosidade católica-conservadora, paralela
ao neopentecostalismo latente da sociedade brasileira.
A expressão “guerra cultural” é
utilizada para identificar o “debate público” sobre os três temas centrais sem
se voltar diretamente para eles; sempre tratando indivíduos ou grupos no campo
político “comunista” ou “anticominista”, tentando reduzir a isso a própria
História, dentro da tensão política-cultural.
Os escritores que tentam se
identificar com esse fator no Brasil possuem duas características em comum:
Olavo de Carvalho como fonte primária de seus escritos; e pouco ajuste em
referenciais diretos com as teorias da conspiração coirmãs norte-americanas.
Essa observação não decorre apenas do fato natural da dificuldade que tais
indivíduos têm com a língua estrangeira. Mais do que isso: Olavo serve como uma
barreira estabelecida entre a estética rural-pentecostal americana e a defesa
da tese geral de desmonte do ocidente pelo declínio do catolicismo. Este filtro
evita que nossos “escritores conservadores” precisem aderir ao pentecostalismo
em si, e permite que seu conspiracionismo caminhe em paralelo com os colegas
brasileiros, movimentados por pastores.
É um atraso do conservadorismo
brasileiro nos campos de batalha. Os americanos conseguem ser muito mais
abertamente antissemitas, racistas, xenófobos e sexistas, pelo fato de suas
teses da conspiração possuírem um pano-de-fundo descolado da tradição do
catolicismo, no entanto, também há outros atrasos aqui:
i) a abertura política tardia
(tal qual os totalitarismos europeus) manteve os problemas centrais da guerra
cultural represados por mais tempo;
ii) lutamos uma “guerra contra o
comunismo” por procuração, sem convite direto para a Guerra Fria, uma disputa
sem custos militares e sociais diretos para o país; o conservador
brasileiro é viúvo de uma guerra que não lutou ou sequer foi convidado para
lugar;
iii) ausência de reconhecimento
nacional, um país continental que não se reconhece como nação, abre espaço para
patriotismo de coalisão, descompromissado com a identidade nacional,
especialmente aquela do interior de sua própria terra; a preferência aqui é pela estética do agroboy americano.
A cultura artística e seus
fenômenos na música e artes visuais, contraponto natural ao conservadorismo,
nos termos da Guerra Cultural, teve pouca influência no interior do Brasil,
quando comparado a mesma difusão, correlacionada a cultura nos Estados Unidos.
Aqui, a ideia propagada de “marxismo cultural” é um fenômeno urbano, para esses
“pensadores” do conservadorismo, nunca explicado de um Brasil interiorano ou
contemplativo. A influência da repressão no interior do Brasil não se deu pela
cultura que precisava ser administrada no eixo de produção relevante, Rio-São
Paulo, mas chegou ao interior pela economia, pelo êxodo, pela fome, não pela
cultura. No interior do Brasil as ideias nacionalistas coexistem com mais
naturalidade com o racismo estrutural, com a mestiçagem étnica e sincretismo
religioso; nas capitais com menos naturalidade e com mais truculência a cultura
precisou ser preocupação do estado censor. A linguagem global de comunicação, de fora para
dentro, do litoral para o interior, chegou muito mais tardiamente no Brasil que
importava para a Guerra Cultural nos Estados Unidos, a estética contemplativa do
agrário, da família nuclear, o campo onde o branco governa e o negro trabalha. Aqui
não houve esse espaço de adesão.
Toda teoria da conspiração que é
naturalizada no interior americano, precisa chegar ao Brasil pela esfera da
religião; ali está, para nossos conspiracionistas, a destruição dos valores
ocidentais e a religião resume aqui o problema da guerra cultural. Não em
virtude disso, mas como consequência deste fator, o produto da produção das
teorias conspiratórias aqui é pulverizado sobre uma gama de fatores
geopolíticos internacionais, complicados de serem analisados por um personagem
histórico que não enfrentou a guerra, mas se julga derrotado.
“As grandes religiões
(catolicismo e islã), as famílias dinásticas (Rothschild, Rockfeller), as sociedades
iniciáticas (monarquia e rosa cruz) e o partido revolucionário (o partido
comunista)” são elementos históricos que para os conspiracionistas brasileiros resumem toda
a história, os “atores-motores” responsáveis integralmente pelos caminhos comunistas traçados pela humanidade. Vale
notar que todos eles são elementos de ordem religiosa, seja pela presença do
judaísmo na citação direta a famílias tradicionais judias americanas ou pela
presença do partido comunista, representando o ateísmo na política. O
antissemitismo, quando utilizado em terras tupiniquins, por exemplo, é
diferente daquele antissemitismo contemplativo americano, fundamentalmente
anti-industrial ou como pedra de toque da comunicação distribuída massivamente
ao interior. É um antissemitismo direto, apresentado apenas por meio da guerra
cultural, na qual o ocidente é o derrotado.
Toda teoria da conspiração é
apresentada para se adotar uma postura de vitimismo histórico; essa gente acredita
piamente na ideia de que não existem agentes históricos externos desta
perspectiva na qual quatro instituições sociais são “entidades seculares” pelas
quais todo motor da história passa; acreditam na impossibilidade de que sequer exista
história fora do determinismo, eventos que possam ser encaminhados ao longo de uma geração ou por um personagem
influente. De Alexandre VI, o Papa Corrupto, a Napoleão, todos são sabotados e perdem seu papel
de protagonismo diante daqueles que dominam os laços que amarram o ocidente.
Nesses moldes, a guerra cultural
é um diálogo vazio, consigo mesmo ou com um grupo isolado, afeito a
conspiração; a produção “literária” sobre o assunto reforça o título, as não
arranha os problemas. Serve, outrossim, para alimentar a teoria da conspiração,
“dialogar” com os seus, afeitos a explicação facilitada e reducionista. O papel
de “antiacadêmico” não é adotado por esses "combatentes" da guerra cultural
propositalmente. Eles gostariam de ocupar
espaços dentro da engrenagem acadêmica. Se pudessem, o fariam, tal qual o fazem
e redes sociais e espaços marginalizados de comunicação. O que sobraria do
espaço de vítima da destruição dos valores ocidentais se assim o fizessem? Se
fossem, por competência, acolhidos nas universidades? Deixar de ser
antiacadêmico é o mesmo que perder a parcela no quinhão da vítima ou se
aproveitar do espaço ocupado para se apresentar como perseguido. Essa gente é fundamentalmente mimizenta, vitimista e canalha. Aplicam para si a metodologia de escrita de "seja aquilo que critica nos outros".
O conservadorismo brasileiro,
tardio no interior, precisou disputar espaço no turbilhão de lutas sociais,
busca de emancipação de direitos dos grandes centros urbanos. A qualidade baixa dessa disputa também pode ter tido alguma influência, mas o problema deles ainda é religioso (como eles insistem em resaltar) e geográfico (como eu estou apontando). O local é perfeito para perder uma batalha. Pela dificuldade de acesso a bens culturais que
antagonizaram com a tensão da guerra cultural, a disputa aqui é mais recente,
interiorizada apenas muito mais tarde que na América. Mais recente e menos emblemática, aliás.
Racismo, antissemitismo ou machismo foram naturalizados no campo da tolerância que
temos com os conspiracionistas nacionais. E isso é muito diferente de um conservadorismo
que opera de dentro para fora, pelo campo dos costumes conservadores. A
“discussão”, aqui, é feita para dissimular os próprios fracassos. Tocar abertamente nos problemas
que originam a expressão é o mesmo que mostrar as feridas da própria derrota. Existe
uma permanente necessidade de deixar de lado os problemas reais de conflitos
religiosos, étnicos ou sexuais. O tema da religião, por outro lado, é
permanente e flerta com todos esses tópicos, desproblematiza-os. A religião
flerta com todas as esferas do histórico e do político e, eventualmente, com a
guerra real, seja a revolução bolchevique ou a contrarreforma jesuíta. Mais do
que ser a base para a teoria da conspiração, a guerra cultural é o método pelo
qual o conservadorismo sobrevive na marginalidade.
O conservador brasileiro é
basicamente um derrotista, vítima da história, seus valores foram martirizados
no sangue da guerra da qual nenhum ancestral seu participou e ele sonha em ser
convidado para participar. O atestado do suburbano global, europeu por "herança" e americano por "cultura", precisa ser carimbado
com a desculpa dos motivos pelos quais não fazemos parte do ocidente. É
impossível para o conservador urbano nacionalista contar com algum incidente
histórico real que tenha maximizado o ocidente, a religião cristã e os valores
estéticos presentes em sua memória cinematográfica. Sem ter diante de si sequer
a estética rural de um oeste, é preciso que ele recorra a imagens ainda mais
abstratas e estranhas. Com a derrota em todas as guerras religiosas reais desde o século XVI, a vítima precisa recorrer a imagem das Cruzadas. O conservador brasileiro basicamente é um cosplay de cavaleiro
templário na praça de alimentação de um shopping.
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