quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Até onde me lembro, ninguém estava interessado em normal algum. Imagina só o "novo normal"


O "novo normal" é uma expressão criada por aquilo que - um dia - foi a mídia hegemônica para identificar o funcionamento da sociedade durante e pós pandemia. Trata-se de um grito desesperado por um espaço que eles jamais ocuparam, mas - por tantas e tantas circunstâncias - foi fácil fazer de conta que ocupavam, porque é isso que se faz quando se está em uma posição de hegemonia: se faz de conta que nunca sairá dela. A mídia, agora, é só normativa e tenta influenciar pelo espetáculo e pelo sentimentalismo. É o preço que se paga em uma sociedade infantilizada, onde um reality show com velhos, tratados como crianças, cantando num mega-karaokê, tem mais chances de influenciar decisões política e morais do que um noticiário. 

Essa é uma definição nova de mídia, em confronto com uma definição antiga que eles ainda tentam sustentar: se julgam uma ponte entre os fatos e a sociedade. O caminho sobre essa ponte é repleto de sinais, lombadas e pedras normativas. Mais do que se comportar como um canal para os fatos, a mídia e, especialmente, o jornalismo sempre foram normativos: buscaram ditar a conduta das pessoas em sociedade, apontando soluções. Faz-se isso buscando culpados, descrevendo os problemas ou simplesmente dizendo que o mundo é assim e pronto. "Acostume-se, as coisas mudaram", insistem eles. "Vamos mostrar um beijo gay na novela, sim. Não se assustem, é o novo normal. Vejam: está tudo sob controle. Vamos mostrar o tal beijo gay meio que de "cima pra baixo". E vamos mostrar uma vez só. Não podemos correr o risco dos últimos patrocinadores também debandarem para as redes sociais, como fez o público! Se quiserem rever a tal cena 'polêmica', procurem na internet... fizemos nossa parte!". 

Pois é, as coisas não mudaram, nem o mundo é assim como eles dizem ser e sequer conseguem descrever os problemas com alguma habilidade que os autorize a apontar soluções.  

O fracasso mais recente desse golpe tomado pelo pessoal que come caviar e arrota regras vem na expressão "novo normal". Seu pano-de-fundo mostra o conflito da forma como o politicamente correto espera que as pessoas passem a se comportar em meio a uma pandemia e, inclusive, após ela passar. Esse conflito escancara a dificuldade dessa gente em admitir que eles não têm força imperativa alguma. Pelo contrário, suas agendas são dominadas por redes sociais, pela forma de cancelamento advinda do público e, fundamentalmente, pela completa falta de capacidade de encontrar uma explicação racional e coerente para o que está acontecendo. O público deles foi treinado para jamais suportar explicações racionais e coerentes. Foi treinado para se acostumar de levinho com o "novo normal". E o melhor lugar pra continuar mantendo essa prática preguiçosa é na rede social e não lendo o jornal ou vendo TV. 

Na dúvida, o cético suspende juízo. Na mesma dúvida, o noticiário dá um tremendo chute e surge o "novo normal". Pois é, faltou lembrar que ninguém quer o "novo normal", porque o antigo já era uma porcaria.  

Se eu precisasse dar um chute, seria esse: ceticismo é o novo sexy. 

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