segunda-feira, 15 de junho de 2020

A tentativa de sequestrar outra agenda da educação pública

Eu não costumo falar a respeito de mim mesmo porque minha vida é tremendamente desinteressante. Desde que esse espaço existe, e lá se vão uns treze anos, o leitor raramente sabe onde estou ou o que eu ando fazendo. Não vejo contexto nessas coisas. Prefiro a literatura que fala a verdade mentindo; e a filosofia que mente falando a verdade. Se o patriotismo foi o último refúgio dos canalhas, talvez hoje o cinismo seja o único refúgio dos patriotas.

Assumi recentemente aquilo que considero o maior desafio profissional da minha vida: ser professor de universidade. Optei pela universidade pública porque fui criado dentro dela e, nas poucas vezes que estive em universidades privadas foi como bolsista, para defender o público. Meu carinho pela educação pública é honesto e orgulhoso e, mesmo sendo péssimo na memória dos nomes, sei o nome de cada professora que me atendeu desde a pré-escola.

Nesse momento terrível de pandemia, a exigência do isolamento social aguçou substancialmente o complô contra o ensino público. Isso aconteceu, porque fez crescer na universidade aquilo que eu considero o tipo mais rasteiro de auto-sabotagem: a sabotagem interna ao ensino.

Em todos os níveis da educação, é flagrante que a última prioridade das autoridades, gestores privados e da própria sociedade civil, é a volta às aulas de forma regular, com alunos dentro da sala de aula. Isso acontece por dois motivos: o cuidado natural que devemos ter com as crianças, por um lado; e, considero tão importante para entender o porquê da falta de pressa em fazer algo pela educação, o desinteresse político. Ou alguém imagina que surgirá por aqui uma sugestão de reduzir o número de alunos dentro das salas de aula, como aconteceu em Israel que limitou o volume de estudantes a 15 e fez a maior contratação de professores desde a reconstrução da Alemanha no pós-gerra?

Sendo assim, não tenho medo de prever: a última coisa que a sociedade brasileira fará será colocar alunos dentro da sala de aula. Mesmo na quarentena e no isolamento social mais hipócrita e meia boa do mundo, a preguiça e medo manterá todos fora das salas de aula até o fim completo de qualquer risco à saúde.

Ponto. Nova linha. Dito isso, vou falar da universidade.

O discurso deteriorado, envolvendo conchavos conspiracionistas está, nesse momento, tentando fazer crer que o melhor para o campo do ensino das universidades públicas é, acreditem, não fazer nada. Trata-se de um discurso conspiracionista, porque vende a ideia de que estamos diante de um grande plano do "neo-liberalismo", "capitalismo mercadológico", e faz uso de outras liturgias flagrantemente cartilhescas e ultrapassadas para tentar incendiar o fim da universidade pública com a privatização e isolamento acadêmico em meio ao tecnicismo. O objetivo de quem vende esse tipo de agenda é basicamente ficar fora da sala de aula e, ao mesmo tempo, tentar anular as sugestões de alternativas que pretendem levar o ensino por ferramentas tecnológicas, textos impressos, atender orientados e todas as outras atividades ligadas a dar atenção ao ensino. O resultado da conspiração interna acaba licenciado a própria universidade e seus gestores de buscar soluções para uma efetiva universalização do ensino.

Demonstrado que se trata se um projeto de auto-sabotagem conspiracionista, vou mostrar que se trata de uma tentativa igualmente nefasta de negacionismo.

A tentativa de anular a possibilidade de retorno das universidades públicas ao ensino por outros meios é negacionista, porque ignora o problema real que estamos enfrentando: uma pandemia. Se por um lado, apegam-se a ideia de que haverá o fim das atividades presenciais das instituições de ensino superior - um absurdo institucional conspiracionista desprovido de qualquer base prática, teórica ou empírica -, por outro, negam que o estado pandêmico seja um problema real que exige proposições e sugestões para atender os alunos no campo do ensino. Esse raciocínio ignora o ensino como um direito social que tem na universidade um dos seus principais pilares. Basicamente, trata-se de levantar as mãos para o alto e dizer: "e daí? É uma pandemia, eu não posso fazer nada a respeito do ensino". "Sim, é meu trabalho buscar soluções para atender alunos em um momento de crise como este, mas eu nego que seja um problema real que a universidade pública precisa enfrentar. Precisamos assistir esquifes sendo empilhados em um eterno luto que nos redimirá de todos os nossos pecados enquanto nação". Como sabemos, não estamos diante de uma gripezinha, nem de um evento isolado ao Brasil que vai, simplesmente, passar na semana que vem. Portanto, é sim um discurso negacionista. Serão, sim, meses afastados de qualquer indício de normalidade na educação, pelos motivos já observados.

Demonstrado que a auto-sabotagem do ensino universitário brasileiro é muito mais enfileirado ao "gabinete do ódio" instalado dentro do Palácio do Planalto do que se imaginava, vou me dirigir especificamente aos meus colegas e alunos, incluindo alunos dos meus colegas:

Do ponto de vista de um professor que ama aquilo que faz, é desalentador e desmotivador imaginar que existe uma tremenda facilidade de professores e funcionários públicos negacionistas e conspiracionistas em cooptarem uma parcela dos alunos. Divido esse desalento com muitos colegas que estão nesse momento buscando levantar sugestões propositivas pelo ensino universitário em meio ao ruido produzido pelo conspiracionismo e negacionismo. Desmotiva, mas não surpreende. O que garanto é o seguinte: trata-se de uma parcela diminuta e barulhenta, envolvida em uma moldura de militância universitária, antiguada, ineficiente e improdutiva. Quando bem pesquisado - e um dia será -, também se observará que se trata da parcela desinteressada pelo ensino dentro da sala de aula. Eles lidam com uma imagem de universidade improdutiva e repetente, são os candidatos naturais ao júbilo. No entanto, não se trata do maior contingente de estudantes. Existem os interessados. Eu mesmo coloquei no ar um curso livre - pro forma ao currículo regular - e lá estão mais de 300 alunos. Duvido que conseguirei atender todos. Não tenho suporte da universidade para os atender e vou me responsabilizar pessoalmente por cada um que tiver interesse nas atividades, na universalização da universidade sem distribuição de diplomas e afeita ao binômio: professor dá palestrinha, aluno faz de conta que aprende.

Há brasileiros interessados em educação. Há professores, alunos e administradores em universidades que não são conspiracionistas e negacionistas. O melhor jeito de se manter refém de um problema, alheio à efetiva liberdade positiva que nos fornece ferramentas de trabalho para a universalização do acesso à universidade, é ignorar que ele exista. Em última instância, nenhum conspiracionista e negacionista jamais surgirá para responder as seguintes perguntas: se não podemos atender todo mundo, não devemos atender ninguém, por quê? Devemos realmente deixar aqueles que não têm acesso às ferramentas de ensino modernas como marginais do processo sem fazer nada por esses alunos, por quê?

Para todos aqueles iludidos que ainda pensam que o melhor jeito de resolver um problema é sequestrar a agenda interna que ele gerou, eu preciso lembrar o seguinte: o inverno de 2013 só terminou em 31 de agosto de 2016. Proselitismo nunca será uma solução em meio ao debate entre livres e iguais.

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