segunda-feira, 27 de abril de 2020

Quando Cortella tem razão...

Já me perguntaram mais de uma vez quando eu penso que as coisas vão voltar ao normal. E a única coisa que me veio a cabeça até agora como resposta é: eu espero que nunca! Precisou vir Mario Sérgio Cortella a público para falar algo filosoficamente relevante sobre a Covid no Brasil. E foi oportuno! Cortella tem razão em suspeitar que o brasileiro pensa poder se redimir de todos os seus pecados empilhando os corpos de mártires dessa tragédia.

Bolsonaro, Jânio e as lições da história, escreve Thales Guaracy ...Estamos em um estado das coisas analisado pelo ângulo errado desde muito tempo. Há quem veja tudo isso como sintoma de uma sociedade politicamente sucumbida. Já penso que não se trata de um sintoma, mas o efeito colateral de muito tratamento errado. Lidar com efeitos colaterais como se fossem sintomas tem um preço.

Reeditamos a história de Jânio Quadros. É preciso lembrar que nada voltou ao normal depois de Jânio, o presidente mais mentecapto e despreparado do século XX (mesmo sabendo que existiram concorrentes a altura, esse é o meu voto, sim!)

O vírus pode não escolher classe social ou fazer distinção racial, mas saímos da dúvida: qual é o comportamento do Covid19 em um país tropical para a obviedade: o vírus é, sim, mais letal em lugares onde a saúde pública e o saneamento básico não são prioridade. É preciso milhares de mortes para chegarmos na obviedade. Diferente da liturgia, a remissão dos nossos pecados não nos dá a vida eterna.

Se tudo der certo, não voltaremos a ser como antes, mas seremos exatamente como somos agora. E continuaremos com os mesmos eufemismos: desleixo e desinteresse é "resiliência"; bravata e verborragia é "nova política".

Sem trocar o remédio, podem esquecer. Sem deslocar o debate para aquilo que de fato importa, o empilhamento de corpos é o mínimo que merecemos para remissão dos pecados. Não admitir que aquilo que, de fato, é relevante é a melhora real da qualidade de vida dos menos favorecidos, combate a corrupção e funcionamento integral das instituições como pano de fundo perene é o único suicídio real da democracia. Voto é apenas o mecanismo para justificar o fim dos tempos. E, por fim, Bozo tem razão quando aponta que o ego é mais importante que o Brasil. Apenas erra o alvo quando aponta apenas para Moro, quando tenta atirar pra todo lado.

O único boicote possível da imprensa é a mea culpa e parar de bater palmas para maluco dançar. Nem a crítica merece espaço. A admissão pública de que o presidente da república reina, mas não governa, diz muito mais sobre a imprensa do que sobre o próprio presidente. Se o chefe do executivo acredita honestamente (e acredito que estamos diante de alguém suficientemente conspiratório para levar isso a sério) que "a inteligência da Polícia Federal perdeu espaço na gestão" e não faz nada pra substituir o ministro, a máxima da ausência de poder é a tônica central, e ela é mais do que suficiente para deixar qualquer expectativa de governabilidade de lado. Então, que o "basta é basta" seja a simples admissão de que "não tem problema eu acreditar que algo não esteja funcionando, contanto que se mantenha um nepotismo básico e um apoio mastigado de um setor bajulador".

Mas, se parar pra pesar, até agora, tudo bem. Afinal, chegamos ao ponto em que Cortella tem razão!

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