Tradicionalmente, a epistemologia é a área do conhecimento
humano dedicada a saber o que é ou não “verdade”. Um assunto bastante nebuloso,
vamos combinar. Resumindo, posso tentar simplificar dizendo que verdade é
aquele momento onde os fatos no mundo se encontram com as sentenças do
pensamento humano. Quando alguém detém alguma crença, emite um juízo sobre ela.
Basta que um juízo corresponda à realidade e – voilà! – a crença finalmente ganha o status epistêmico de
conhecimento. Todo tipo de crença é candidato a pretenso conhecimento.
O dicionário Oxford elege, todos os anos, uma palavra “nova”
para fazer parte da sua lista de verbetes. A última escolhida foi “post-truth”. “Pós-verdade” foi utilizada
em 1992, na revista The Nation, pelo
sérvio-americano Steve Tesich pela primeira vez. Mas não basta repetir uma
palavra algumas vezes para que ela caia nas graças dos dicionaristas. É preciso
um conceito sólido estabelecido socialmente em torno de um verbete, e esse
conceito demorou quase 20 anos para surgir. A ideia de pós-verdade só ganhou
forma com as redes sociais. A popularização, especialmente, do Facebook é a
principal responsável por fazer o termo pós-verdade ser realmente interessante
e subverter a epistemologia tradicional. Desde então, a formação do
conhecimento está mais ligado ao apelo às emoções, desconectadas dos fatos no
mundo social e político e próximo do conjunto geral de crenças resultante da
soma de pessoas com as quais os indivíduos interagem no seu mundinho virtual.
Recorrer ao sentimentalismo para publicidade política não é propriamente uma
novidade. Os americanos utilizaram durante a Guerra Fria; os nazistas durante a
Segunda Guerra Mundial. A diferença está no alcance e na falta de objetivos
práticos daqueles envolvidos no processo nos dias de hoje.
E o que pode ser usado na construção de uma pós-realidade? A
resposta é simples: tudo. Notícias falsas, vídeos opinativos ridicularizando
agentes políticos, memes (eis um forte candidato ao dicionário Oxford para os próximos
anos), imagens apelativas e suas respectivas montagens. Qualquer coisa com
alguma capacidade de alterar a capacidade das pessoas de refletir sobre fatos
sociais e políticos reais são ferramentas úteis para influenciar a opinião
pública. O resultado dessa disputa é sempre uma das extremidades: esquerda pré-queda
do muro de Berlin ou direita teocrática. Mesmo que ambos os modelos já tenham
se mostrado historicamente ineficientes, isso não importa para os pós-modernos
relativistas da pós-verdade.
Precisamos compreender que as redes sociais são simulacros
de democracia, onde tudo aquilo que o agente político tem diante de si é um
conjunto de opiniões com as quais ele concorda e algumas opiniões dissonantes
criadas justamente para que ele reaja aleatoriamente. O primeiro passo para
fugir de uma cilada é conseguir identificá-la.
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