sexta-feira, 30 de junho de 2017

Pos-truth II

Tradicionalmente, a epistemologia é a área do conhecimento humano dedicada a saber o que é ou não “verdade”. Um assunto bastante nebuloso, vamos combinar. Resumindo, posso tentar simplificar dizendo que verdade é aquele momento onde os fatos no mundo se encontram com as sentenças do pensamento humano. Quando alguém detém alguma crença, emite um juízo sobre ela. Basta que um juízo corresponda à realidade e – voilà! – a crença finalmente ganha o status epistêmico de conhecimento. Todo tipo de crença é candidato a pretenso conhecimento.

O dicionário Oxford elege, todos os anos, uma palavra “nova” para fazer parte da sua lista de verbetes. A última escolhida foi “post-truth”. “Pós-verdade” foi utilizada em 1992, na revista The Nation, pelo sérvio-americano Steve Tesich pela primeira vez. Mas não basta repetir uma palavra algumas vezes para que ela caia nas graças dos dicionaristas. É preciso um conceito sólido estabelecido socialmente em torno de um verbete, e esse conceito demorou quase 20 anos para surgir. A ideia de pós-verdade só ganhou forma com as redes sociais. A popularização, especialmente, do Facebook é a principal responsável por fazer o termo pós-verdade ser realmente interessante e subverter a epistemologia tradicional. Desde então, a formação do conhecimento está mais ligado ao apelo às emoções, desconectadas dos fatos no mundo social e político e próximo do conjunto geral de crenças resultante da soma de pessoas com as quais os indivíduos interagem no seu mundinho virtual. Recorrer ao sentimentalismo para publicidade política não é propriamente uma novidade. Os americanos utilizaram durante a Guerra Fria; os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A diferença está no alcance e na falta de objetivos práticos daqueles envolvidos no processo nos dias de hoje.

E o que pode ser usado na construção de uma pós-realidade? A resposta é simples: tudo. Notícias falsas, vídeos opinativos ridicularizando agentes políticos, memes (eis um forte candidato ao dicionário Oxford para os próximos anos), imagens apelativas e suas respectivas montagens. Qualquer coisa com alguma capacidade de alterar a capacidade das pessoas de refletir sobre fatos sociais e políticos reais são ferramentas úteis para influenciar a opinião pública. O resultado dessa disputa é sempre uma das extremidades: esquerda pré-queda do muro de Berlin ou direita teocrática. Mesmo que ambos os modelos já tenham se mostrado historicamente ineficientes, isso não importa para os pós-modernos relativistas da pós-verdade.


Precisamos compreender que as redes sociais são simulacros de democracia, onde tudo aquilo que o agente político tem diante de si é um conjunto de opiniões com as quais ele concorda e algumas opiniões dissonantes criadas justamente para que ele reaja aleatoriamente. O primeiro passo para fugir de uma cilada é conseguir identificá-la. 

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