sexta-feira, 1 de julho de 2016

Brexit: a sangue frio

O Reino Unido nunca fez parte da União Europeia. Jornais importantes de lá têm uma editoria inteira chamada "Europa". Eles lá e nós aqui, na cultura. Tudo aqui quando o assunto é dinheiro. Nada aqui quando o caso é dividir o mérito. Ou vocês acham que os países da Escandinávia são europeus também? O que mais vocês querem? Dizer que os latino-americanos são europeus? Isso, isso. Todo mundo é europeu, agora! Somos contra globalização, mas a favor de continentes gigantes. A esquerda peca pela inocência; a direita é só por burrice mesmo.

No dia 9 de setembro, o partido conversador terá seu novo líder e a Inglaterra, consequentemente, um novo primeiro ministro. Boris Johnson, populista de direita e favorito na corrida, já disse que não concorre. Teve um surto de dignidade e, como principal homem da campanha do chamado Brexit, sabe que não pode administrar a saída definitiva do bloco.

Os velhos foram às urnas, buscando retomar um país ao qual estavam habituados na juventude. Os jovens pouco participaram - muitos porque não podiam -, agora, reclamam a manutenção de um país ao qual estão habituados. No fundo, todo jovem é conservador. Não existe progresso moral, nem estético. Só existe progresso no discurso.

O Reino Unido conseguiu uma coisa espetacular: mostrou que é maior que Londres. Essa obviedade geográfica não é tão óbvia assim, do ponto de vista político. Toda capital mundial apequena o país onde ela está. É o simulacro da relevância, pela imponência e intimidação. Não tem como sustentar isso nas urnas nas urnas. Bairrismo, provincianismo e patriotismo. Todos filhos da mesma Bruxa de Blair. O inglês e o galês foram às urnas para mostrar que a Cornualha é quem manda na região. Alimentar o separatismo da Escócia e da Irlanda é uma consequência previsível e administrável, ao menos essa é a aposta deles.

Agora, o Reino Desunido se transformou na nova América. Síndrome da cultura colonizadora que foi colonizada. Portugal sente isso por nós faz muito tempo. O caso bretão lembrou-me a imagem criada pela história do livro "A Sangue Frio" do Truman Capote. A mesma Europa que queria a ilha vizinha no seu continente, agora vai brigar para que a ruptura seja rápida. Capote precisou lutar para adiar a pena capital dos seus personagens e, meses depois, brigou para que eles fossem mortos o quanto antes. Afinal, seu livro ficaria impublicável. A Europa vai se transformar em uma peça impublicável de Shakespeare.

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