segunda-feira, 21 de março de 2016

Noticiário internacional sobre o Brazilian Car Wash

Quando eu era um jovem repórter, cheio de ideais, sonhos de mudança e virtudes - fui assim por uns 15 dias, acho -, ouvi um medalhão do jornalismo internacional dizer o seguinte: "É preciso olhar o mundo e o noticiário internacional pela perspectiva de um brasileiro comum". Nunca tinha entendido direito isso. Primeiro, não sabia como era olhar para qualquer coisa sem a perspectiva de um brasileiro. Sinto-me o cara mais comum do mundo, ora. Não entendia como algum repórter, sendo ele brasileiro, não seria outro comum. Ainda, não me parecia fazer muito sentindo olhar para qualquer coisa sem ser influenciado pelo tom com o qual ela chega aos meus ouvidos ou olhos. Por muitos anos, isso me pareceu mais um daqueles mitos jornalísticos tão mal vendidos quanto a ideia de que "o jornalismo deve ser imparcial". Sério que alguém algum dia acreditou nisso e outras pessoas ainda acreditam?

Enfim, o tempo passou e eu tinha muitas outras coisas com as quais me preocupar.

Esse tempo aqui na Europa me fez ter contato violento com o noticiário das mais diversas fontes e vertentes políticas, especialmente impresso e radiofônico, tanto por gosto pessoal quanto por motivo de tempo. Pois como o pessoal deve ter notado aí no Brasil também, o noticiário em torno da nossa política nacional se intensificou muito e ficou concentrado basicamente em um único assunto na última semana: a mais recente fase da chamada operação Lava Jato. Inevitavelmente, desde a condução coercitiva do ex-presidente Lula para um depoimento à Polícia Federal, os gringos voltaram a luneta de Colombo do seu noticiário internacional para o lado sul do Atlântico. Mesmo colonizadores, eles não fazem a menor ideia do tipo de repercussão que isso pode ter para o Brasil do ponto de vista da política internacional, diplomática ou econômica. Estão tão ou mais perdidos que a gente.

Muito mais importante do que entender o que os gringos estão falando a respeito do conteúdo desse noticiário me parece prestar atenção ao que eles não têm dito. Não se fala em “golpe”. Também não se fala em nada envolvendo as outras fazes da Lava Jato, coisa confusa aí no Brasil, imagina onde o espaço para essas informações é ainda mais restrito. A própria operação Lava Jato não tem esse nome para o noticiário internacional. Na maioria das vezes, o texto é superficial e explicar um nome tão complicado não convém. Excluindo as exceções, os gringos chamam apenas de "escândalo de corrupção da "oil company Petrobras". Isso parece uma detalhe em meio a outros, mas mostra como tentar emplacar bandeiras artificiais, não serve para tudo. Nem tudo é como o caso Watergate, ou como a operação Mãos Limpas, nem sempre esses slogans colam. Alguns veículos de comunicação tentaram, no começo, batizar a força tarefa do nosso "FBI" de Car Wash. Achei divertido. Não colou no ouvido de ninguém.

O noticiário internacional deve estar muito mais focado na ordem na qual os fatos acontecem do que em escabrosidades declaracionistas como depoimentos, entrevistas e delações premiadas. Quem sabe isso seja uma regra para qualquer noticiário, em qualquer situação? Não sei. E não tenho como pensar sobre isso, agora. O fato inevitável é que o Brasil chamou a atenção do mundo porque um ex-presidente está sendo investigado por, supostamente, ter recebido a reforma de um apartamento de uma empresa que presta serviço para uma das maiores empresas públicas do mundo, a maior petroleira da América Latina. Lavagem de dinheiro e suborno são as acusações do momento. E são elas que devem ter destaque. A partir disso, tudo é um sucessão de fatos em direção ao futuro - que se torna passado cada vez numa velocidade mais frenética, graças a internet. Não há retrospectiva apontando para governos anteriores, muito menos uma retrospectiva até 1964, como se tenta fazer frequentemente no Brasil.

É claro que o maior esquema de corrupção da nossa história deve exigir justamente de nós a discussão a respeito dos seus detalhes. Contudo, essa discussão invade o noticiário político nacional e os analistas políticos locais ficam atordoados com o tsunami de quinquilharias das redes sociais. Correm para todos os lados e apontam para todas as direções. Essa reverberada facebuquiana não existe entre com os gringos; pelo menos não, com algum impacto influente.

Um dos momentos mais significativos a respeito do que vem acontecendo no Brasil foi justamente a tentativa do governo de nomear Lula ministro. Foi confuso para os jornalistas daqui também. Afinal, é muito difícil você explicar que uma Chefe de Estado está dando poderes de ministro para um colega de partido para que ele tenha "foro privilegiado" ou foro por prerrogativa de função, como alguns preferem. Isso não tem som algum em outra língua; muito menos em outro raciocínio político! Como explicar o que é "foro privilegiado", onde isso parece um absurdo vindo de outro planeta? The Guardian tentou: "re-entry into politics would shield Luiz Inácio Lula da Silva from some levels of prosecution over alleged kickbacks and money laundering". Osso duro, né? Esse mesmo absurdo, deveria estar invadindo nossos olhos e ouvidos há um bom tempo.

As manifestações foram narradas como pró e contra o governo. É isso que cada uma delas foi. A panfletagem revestida com gritos de "golpe" é o pedido de renúncia de uma presidente que nomeia alguém investigado em um esquema de corrupção. O "mortadelaço" é o apoio de um determinado segmento da sociedade à manutenção da mandatária do executivo. Só isso. Nada mais. Fala-se de coisas especificas, singulares entre si. Não existe uma lista de instituições golpistas. Não existe um grupo neo-comunista tentando tomar o poder no Brasil a força de forma indefinida.

A poeira sempre baixa mais rápido onde ela chegou mais longe. O noticiários internacional tem muito desse fenômeno estranho: aquilo que foi manchete de primeira-página ontem; hoje, não chega a chama de roda-pé. Se há confronto de manifestantes aí no Brasil, nas redes sociais ou nas ruas, a culpa não é dos grupos exaltados, é da nossa falta de competência para administrar todos os problemas de educação e segurança pública. Não esperem que essas coisas façam eco longe de nós. Nossa gritaria é isolada. Não haverá uma Primavera Árabe no outono brasileiro, sem que nós a façamos. 

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