terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Londres é bom se você for rico e/ou feliz

Eu estava procurando uma festa ou algo do gênero na internet para não ficar em casa bêbado e depressivo na virada do ano aqui em Londres. Encontrei algumas coisas legais num sites, outras em outro. Até que descobri uma festa dentro de um barco ao longo do Thames River. E isso me lembrou que Londres é como Paris, que por sua vez é como São Paulo, sucessivamente, igual a Porto Alegre e Santa Rosa, onde passei minha infância, no interior do Rio Grande do Sul.

A festa custa algo em torno de £240. Isso é muito dinheiro, é grana pácaraio para se gastar em uma noite de ano novo. O que quero dizer com isso é o seguinte: qualquer lugar pode ser melhor do que outro, contanto que você seja rico. Mas rico mesmo. Aqui em Londres, você pode ver lojas da Ferrari, Mclaren e Aston Martin. Isso só para citar o mercado de carros de luxo. Se você gosta de relógios, tem Patek Philippe de £8mil também. Bolsa da Louis Vuitton por £800, na promoção, também tem. Tem tudo.

Existe uma confusão moral entre causa e efeito quando você se depara constantemente com o mercado da altíssima roda social. E o público normal, o popular telespectador do Jornal Nacional ou militante do DCE, não entende o que está acontecendo e acaba, sem pensar, abominando essas coisas. Eles empregam ódio aos consumidores desses produtos e, pior, julgam-os como imorais e irresponsáveis. Pois tenho uma notícia para vocês: quem faz isso é burro. E vou tentar explicar de um jeito simples, afinal, sou lido por burros também.

O carro 1.0 que a classe média baixa usa no Brasil tem sua tecnologia, desempenho de combustível, conforto e todo o resto diretamente dependente da pesquisa aerodinâmica empregada em uma Ferrari Spider e num Porsche Cayenne. Todo esse investimento é pago exclusivamente pelos consumidores que gastaram muito para ver esses veículos serem projetados contrariando completamente todas as leis logísticas e administrativas do modelo fordista de produção industrial.

Não bastasse esse elemento empírico, ainda há a barreria da falácia naturalista, também conhecida com dicotomia fato-valor, ultrapassada pelos "de espírito crítico" que se julgam preocupados com a "responsabilidade social". Funciona de um jeito mais simples ainda, ao mesmo, tempo mais abstrato: ninguém é moralmente responsável por um dano que não produziu. Se a mulher quiser gastar £1000 comprando uma bolsa na Oxford St., possui esse valor de forma honesta, nada pode ser feito contra ela, inclusive, está isenta de qualquer tipo de julgamento moral porque o fato dela ter gasto esse recurso em uma mísera bolsa não contém nenhum valor moral envolvido. (por isso, se chama dicotomia fato-valor) As pessoas pegam fatos no mundo empírico e insistem e dar valor moral para eles. O público leigo não sabe o que está fazendo e faz isso o tempo todo. Trata-se do mesmíssimo raciocínio utilizado para julgar alguém por seu comportamento sexual ou coisa que o valha.

A mulher que gasta seu dinheiro com uma bolsa não é obrigada a tratar de famintos da Somália. É duro ler isso, porque a maldita verdade nunca vem enfeitada em coroa de flores e fazendo uma performance teatral artística dadaísta.

Votamos à festa VIP no Thames com seus 600 convidados, cada um gastando £240. As coisas envolvidas nesse preço dizem respeito a muitos fatores: a segurança de uma festa dentro de um barco que não pode estar superlotado de gente - como estaria no Brasil; a qualidade da bebida que será servida; funcionários; decoração etc etc. Tudo para ver fogos de artifício do mesmo modo que o mais popular dos londrinos verá na margem norte do rio, gastando só o preço do transporte público e uma cidra de £2. Existe, ainda, o fator mais caro envolvido: a exclusividade daquilo que está sendo oferecido. Esse fator é idêntico, desde um carro da Lotus de £100mil até a festa no rio. Trata-se de um elemento intransferível. O cidadão que entra dentro de uma loja da Rolex para comprar um relógio de £10mil está fazendo isso por UMA das 300 peças - ou menos - produzidas no mundo todo. A qualidade do produto na qual ele está confiando depende desse dado ligado a exclusividade e a artesanalidade desse mercado tão específico e a confiança que a tal marca, Rolex, conquistou. Se ele quisesse, simplesmente, ver que horas são, ele entraria no site da Submarino e pagaria R$110 por um Casio resistente à água, coisa que eu fiz.

Se não houvesse mais nenhum motivo no mundo para convencer as pessoas de que não se pode julgar moralmente alguém em virtude de quanto dinheiro esse infeliz tem na conta bancária e a forma como ele emprega seus recursos eu usaria apenas esse: deixe de ser um cuzão cagador de regras. Cuide da sua vida, das suas responsabilidades e não perturbe a beleza alheia. Você não passa de um invejoso, alguém que, em situação igual, faria coisas muito piores. Afinal, teu caráter já te denunciou.

Encerro com o motivo pelo qual Londres não é uma cidade especial: qualquer lugar é melhor que outro se você é rico, bem resolvido consigo mesmo e/ou feliz. Essas coisas não mantêm nenhuma relação uma com a outra.

4 comentários:

Anônimo disse...

Os pequenos prazeres da carne x os grandes prazeres da alma. O prazer não é grande ou pequeno, moral ou imoral. É, infelizmente, passageiro.

P.S. Qual o valor de uma cerveja Fuller's. Um verdadeiro prazer de corpo e alma.

José Henrique Fortes Thiele

Lucas D. Silva disse...

Há dois pontos que gostaria de destacar:
Primeiro, talvez não seja o consumidor da bolsa que provoque diretamente a fome na Somália, mas o faz indiretamente. Pois a empresa que produziu a bolsa que explora a mão de obra barata, quase escrava, em outros países; sujeitando-os a condições de trabalho desumanas. O consumidor, caído na tentação de ser o único no mundo a ter a bolsa, compra ela, e acha que paga um "preço justo" porque diz respeito a suposta "qualidade" do material. Aliás, este raciocínio é falho, do contrário esses "produtos de gente rica" nunca teria defeito, o que não parece ser verdade.
http://g1.globo.com/carros/noticia/2015/07/ferrari-faz-recall-de-8-modelos-por-causa-de-airbag-com-problema.html

Segundo, o comércio é sim uma questão moral. Talvez isso não esteja muito na moda, e talvez isso explique porque menos de 1% da população mundial detêm a maioria da riqueza neste mundo, mas o comércio é sim um ato moral. Foi isso que Aristóteles ensinou, Tomás repetiu e que Adam Smith partiu para escrever a sua obra. Mas pulamos isso, pois o blog gosta de raciocínio simples. Colocamos um, então: digamos que a bolsa custa mil dinheiros na loja. A fábrica gastou 300 dinheiros para produzir, mas vendeu ao dono da loja por 400; impostos e transações levaram mais 50 dinheiros; custos da loja até a venda do produto mais 50. O restante é lucro do proprietário que conseguiu te vender a bolsa da marca x, dizendo que é exclusiva e de qualidade, mas que cumpre a mesma função de uma saca de plástico, carregar coisas. É assim como os demais produtos, pois, como gosta de dizer o escritor deste blog, "não é uma questão de gênero mas sim de grau". Não basta a transação comercial ser legal, com dinheiro honesto, ela também precisa ser moral; pois todo comércio envolve exploração de atividade humana e o que vemos são ricos colocarem suas empresas em países subdesenvolvidos para baratear a produção e ter mais lucro sobre o produto final, fomentando a desigualdade social no mundo, que gera violência e por assim em diante.

Mas vá lá, é "careta" ter responsabilidade social.

LDSilva

Everton Maciel disse...

Nunca bebi. Vou procurar. Há-braços.

Everton Maciel disse...

Lucas, a ideia de que mais-valia é uma exploração de pessoas, além de simplista demais, já foi refutada faz tempo.

Quando ao resto do que você disse, eu não vou me apegar: não afirmei em momento algum que produtos são infalíveis quando são necessariamente caros.

Sobre o primeiro ponto, portanto: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1856

Ah, não cite Smith desse jeito. Ele, apesar de professor de filosofia moral, é responsável por afastar fatos econômicos e valores morais na história da economia. Até hoje, ninguém desfez isso.

Hasta.