sábado, 7 de novembro de 2015

Diário de Londres - Não quer dançar? Sai da pista!

Já disse aqui que as coisas feitas no mundo pelo homem ou são morais ou são estéticas. E elas estão se misturando a maior parte do tempo. Então, não gaste sua massa encefálica tentando identificar a diferença.

Depois de algum tempo em Londres, você começa a dar atenção para os detalhes estéticos da civilização. Os escritórios de designers mais famosos do mundo estão instalados aqui ou em Nova Iorque. Ou nos dois lugares. A arquitetura residencial mais presente é ainda de prédios baixos, mas os arranha-céus de vidro estão cada vez mais presente para mostrar que só de terno e gravata o mundo progride. E os edifícios altos cumprem outra função importante: colocam o ser humano no seu devido lugar dizendo "entenda  o quanto você é pequeno perto da megalópole".

Vai ficar deprimido quem não entender que a estética de Londres não está só nos edifícios: aquilo que faz de Londres Londres é cultural. Não está nos prédios e nas construções. Londres fica te lembrando o tempo inteiro que a civilização ocidental foi criada aqui. No funcionamento religioso do metro, no entra e sai alucinado dos Starbucks e Costas, na venda ambulante de Camden Town misturando a mais rica flor do artesanato local com as quinquilharias chinesas mais vagabundas. Nas portas dos megalomaníacos bancos de Barbican com sua fumaça de cigarro jorrando pela calçada, indispensável para os investimentos mundiais. Nas lanchonetes de limpeza duvidosa instaladas ao lado de restaurantes tão refinados que servem água Voss em Islington. Nos estudantes bêbados de Fitzrovia, procurando algo para fazer, já que estudar não parecer ser lá um grande problema.

Londres é assim o tempo todo. De baixo da terra, o trem reina absoluto, sem nenhuma concorrência. Em cima, a cidade mostra seu lado fuinha, esburacando o chão de manhã e tapando os buracos após a manutenção no final do dia. As obras nunca param, em Londres, mas todos os dias desaparecem, porque é impossível lembrar delas. Afinal, obra nenhuma tem direito de interferir no vai-e-vem da cidade. Não tem vai-e-vem de pessoas. É a cidade que anda. E anda te empurrando! E, se você não veio para dançar, está convidado a andar do lado direito da calçada, por favor, ou saia da pista, de uma vez por todas. Londres não convida para dançar. A cidade te mostra como se dança. Aprenda ou sinta saudade de casa.

"Mind the gap between train and the platform". "Keep left". "Way out". "Don't stop at stairs"

Nada é convite em Londres e tudo é convidativo, ao mesmo tempo.

Londres é um mais um mais um até chegar em 20 milhões. O povo londrino não existe. Literalmente. Agora são povos, no plural. E esses povos são metropolitan police, são hamburguerias, corner shops, os mendigos e os pubs. É impossível manter os ouvidos atentos e cruzar um parque sem ouvir ao menos uns cinco idiomas diferentes, de pelo menos três continentes.

Londres é humana em tudo. Tão humana que desumaniza e tão cosmopolita que não permite flexibilidade cultural e reage a todo corpo estranho incapaz de entender que a democracia não é um convite para dançar.

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