segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Diário de Londres: Suffragettes no cinema

Faz mó tempão que não escrevo uma resenha de filme aqui. Isso tem dois motivos: primeiro, porque não deu vontade. Vejo vários filmes legais e tal, mas não me interessa ficar falando sobre coisas que não conheço com alguma precisão. Segundo, porque aqui na Inglaterra tem a lei do TV licensing. É uma legislação meio bundona sobre as pessoas terem que pagar uma taxa (pode ser anual ou até por semana) para poder consumir produtos audiovisuais: tudo mesmo, desde ver TV até programas na internet. Eu não pago a licença e ela não está incluída no meu aluguel, mesmo tendo uma TV na área comum do apartamento. Nem eu nem minhas colegas de moradia jamais ligamos a TV. É o medo de sermos multados. Explicado isso, eu tenho consumido TV predominantemente nos pubs que têm programação esportiva o tempo todo. Desde campeonato nacional de lançamento de dardos e corrida de cavalo, passando pelo futebol e hubgy, coisas muito populares entre os nativos da Ilha.

Tentando variar meu cardápio cultural - e também passar um dia todinho sem encher a cara, eu resolvi ir no cinema. Há sessões todos os dias aqui no Curzon da Brunswick, perto de casa, os preços variam de £8 a £16, dependendo do horário e já com desconto de uma libra por eu ser estudante (não tem nenhuma lei manando dar desconto, eles aplicam porque querem). As premieres são mais caras. Acho £8 um bom preço, mesmo com o inconveniente da sessão ser as 15h50 da tarde. Estava livre e lá me fui.

Vamos ao filme. 

Suffragettes está fazendo um baita sucesso de público, porque conta a história do movimento que reivindicou o voto para as mulheres no começo do século XX, aqui na Inglaterra. O movimento sufragista é mais antigo do que o período no qual o filme se passa. Contei essa história no Papo de Homem e não vou me repetir. Suffragettes é um nome jocoso dado por um jornalista da época para identificar as mulheres ativistas da reivindicação de voto feminino. Fui para o cinema na esperança maluca de ver a Meryl Streep em mais uma grande atuação. Dei com a cara na porta. A participação dela é completamente coadjuvante, no papel da Emmeline Pankhurst, a grande líder nacional do movimento. Ela aparece pouco e não tem quase nenhuma interação com os personagens principais. Streep foi a garota propaganda do filme. Só isso.

Carey Mulligan, essa sim, é a grande estrela do filme. Achei a grande sacada (talvez, única) o fato do filme explorar a militância política pelo sentimento de culpa do personagem de Mulligan. É um personagem inventado, em meio aos outros que historicamente existiram. Além de ter entrado no caminho da reivindicação do voto de forma indireta, ela passa o tempo todo se sentindo culpada por fazer aquilo que faz. Uma culpa aguda e muito perturbadora, algo que deveria deveria estar no coração de qualquer "revolucionário". Só tem certeza sobre o caminho da revolução aqueles completamente despreparados para dedicar sua vida à mudança. São os sangues quentes, os facilmente manobráveis. Esse tipinho de militante que a gente conhece no Brasil. Vocês sabem. A interpretação de Mulligan foi pensada para que ela se arrependesse o tempo todo da causa que estava defendendo. A justiça da causa implicava, necessariamente, na perda da família, inclusive do bem mais visceral, pelo qual qualquer mãe seria capaz de morrer: o próprio filho. Sem o arrependimento de abandonar a vida pela causa, não existe nada de genuíno na luta.

As mulheres com mais de 30 anos só ganharam o direito de votar na Inglaterra no final da Primeira Guerra, 1919. Muitas das suffragettes já não estavam vivas.

É provável que as nostálgicas feministas de hoje em dia, simplesmente, não consigam entender nada disso.

Sem mais, meritíssimo.

Nenhum comentário: