Poucas coisas me deixam mais furioso do que palestras motivacionais.
Não consigo entender como algum vivente em bom estado mental realmente acredita na alucinação de que a "motivação" é um elemento importante dentro do contexto da ação nas nossas atividades ordinárias. Um dos setores onde a motivação é muito panfleteada é o comércio. É absolutamente natural que um vendedor se sinta desmotivado em vender. Trata-se de algo que prejudica bastante a autoestima de qualquer um. O fracasso sempre será mais impactante que o sucesso. Como o setor comercial resolve um problema desses com seus profissionais? Simples: salário base bastante baixo e comissões para incentivar a venda e o bom atendimento. Acreditem, se um balconista de farmácia tivesse um salário base de míseros R$1500, ele não trabalharia. Ficaria escorado atrás do balcão sem fazer nada durante um dia inteiro, uma semana e um mês. É uma questão de funcionamento do comércio de balcão um salário de fome, algo em torno de R$750, e a exigência de um bom desempenho para que o balconista atinga um salário de R$1500. Jamais daria certo salários base bons nesse tipo de atividade. A motivação do comerciário precisa ser sempre o seu desespero para pagar o aluguel e não passar fome. Essa é a melhor palestra motivacional de todas. A mais honesta, ao menos.
É óbvio que os vendedores de excelência ganham muito mais do que R$1500. Eles logo descobrem que trabalhar com produtos de valor agregado e altos índices de comissão é algo mais atrativo e buscam essas alterativas de vida. Eu, pessoalmente, sinceramente, e com muita tranquilidade, posso dizer: admiro bons vendedores mais do que qualquer outro tipo de profissional. Para mim é um dom. Algo muito mais difícil, nobre e elevado do que a maioria das profissões, incluindo as profissões onde a exigência de um poder intelectual mais elevado é algo valorizado. Jamais criticaria um vendedor. Meu problema é outro: como diabos essa noção de motivação nos afeta de uma forma tão violenta?
A ideia motivacional foi transferida para o setor educacional. Essa maluquice de que os alunos devem estar motivados pode parecer uma insanidade em outros lugares do mundo. Mas, aqui, na terra de ninguém, ela foi vendida com uma facilidade incrível pelos macacos amestrados da pedagogia.
O professor, no Brasil, antes de tudo, deve ser uma espécie de Augusto Curi da didática, um palestrante motivacional. Se gostar de usar nariz de palhaço e tiver talento para o stand up comedy, melhor. Não se trata de "ensinar física". A obrigação do professor, hoje, deve ser "gerar interesse pela física". Isso não é algo que faz muito sentido para muita gente com mais de um ponto de QI. Mesmo assim, acreditem, essa é uma ideia influente no ambiente pedagógico. É provável que seja a coisa mais influente no atual contexto da educação como produto de mercado, em meio a outros produtos de mercado.
Por que isso é uma coisa perigosa, especialmente na educação? A motivação por elementos externos ao indivíduo anula, em certo grau, a possibilidade da motivação moral genuína. Ou seja, passamos a nos interessar pelas artes, ciências e pelo comportamento moral não pelo que ele realmente representa para nós, mas pelo tipo de influência que recebemos dos propagandistas da educação. Criamos uma sociedade de atormentados. Não querer estudar torna-se um crime, e fazemos questão de menosprezar as pessoas que não se interessam pelas coisas do intelecto, sejam eles adolescentes do ensino médio ou profissionais de outras áreas.
A motivação moral é algo que atormenta os filósofos desde sempre. Mas foram poucos os que enfrentaram o problema pelo viés da educação. Mesmo assim, todos são unânimes em algo muito importante: dar condições de acesso à instrução só faz sentido se não insistirmos em criar um público artificial. Do ponto de vista prático, isso significa o seguinte: nem todos estão interessados em estudar e eles não devem ser censurados ou elogiados por isso. A falta de motivação genuína por parte dos indivíduos não é carregada de valor moral objetivo. É um mero fato social, sem conteúdo ético. Dar condições de instrução, educação e acesso à cultura e informação: sim. Educação para todos: jamais. A educação não deve ser para todos. Deve ser para aqueles que querem se educar. O ensino formal deve estar a disposição, apenas, daqueles que se interessam por ele. Os outros podem muito bem trabalhar e construir uma vida feliz e produtiva no setor de montagem das fábricas.
A melhor palestra motivacional que eu já vi dentro de uma sala de aula foi obra do meu orientador, em uma disciplina de ética prática, para o sexto semestre e alguns desmodulados. No primeiro dia de aula, ele escreveu no quadro "82%". Com o dedo apontado para o índice, ele disse: "esse é o grupo de reprovados entre os alunos do semestre anterior. Sintam-se à vontade para desistir. Isso não mudará muito a vida de ninguém. Apenas facilitará a coisa para os outros".
Sem mais, meritíssimo.
2 comentários:
Ótima reflexão Maciel.
muito melhor é uma garrafa de uísque e um sono sem horário pra acordar.
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