quarta-feira, 18 de julho de 2012

Vamos a la playa

Recebi agorinha por e-mail do Vitor Ramil, uma das figuras que agrega muito bem as qualidades características de Pelotas e do Rio Grande do Sul, como um todo. Seguem as palavras do Ramil:

Amigos,

vi na televisão agora, de relance, imagens de uma praia na Bahia, um desses lugares espetaculares com os quais, em algum momento de julho ou agosto, costumamos sonhar aqui no Sul, e me lembrei do que o Carlos Moscardini me disse certa vez, diante de cenas semelhantes: “No se puede vivir siempre así”. Ao que acrescentou: “Hay que tener alguna hostilidad”, argumentando em favor das nossas praias do extremo Sul durante esses verões que parecem cair sempre numa terça-feira, como dizem os ingleses, ou esses invernos implacáveis. Eu não me incomodaria nem um pouco de estar numa praia na Bahia agora, adoro, mas compartilho do ponto de vista do Carlos. Muita gente por aqui entenderia o que ele quis dizer. Conto isso porque, assim que eu terminar este texto, coloco algumas bergamotas num saco e vou para a praia do Laranjal vestindo dois blusões e um poncho de lã, Glenn Gould tocando Bach no CD player carro. Mais um lindo dia de céu azul, sol forte e ar muito, mas muito frio; combinação deliciosa depois uma semana também deliciosa de chuva ininterrupta e muita umidade. A barragem estava secando. Ficamos todos felizes ouvindo a chuva insistente nas telhas de barro de cem anos. Dizem que é culpa do El Niño ou de sua irmã, La Niña. Não gosto quando botam a culpa nas crianças e ninguém me tira da ideia que o culpado é o desmatamento da Amazônia. Quanto menos árvores houver por lá, menos chuva haverá por aqui, dizem alguns especialistas. Faz sentido. Mas vamos ao texto, antes que o sol se vá e eu tenha de ir do computador direto para a calefação e o absinto.

Parei aqui para escrever sobre o Pedro Aznar. Acho que todo mundo sabe quem é ele, mas vamos lá: produtor dos meus discos Tambong e Longes, é argentino e um dos melhores baixistas do mundo. Digo isso sem exagerar. E não é só um grande baixista, é um multiinstrumentista dotado de uma musicalidade rara. Escrevi há pouco tempo algumas linhas sobre ele, para um livro que sairá na Argentina. Depois de esmiuçar o seu talento, afirmei que ele era um pouco louco, que isso não podia ser diferente. Justamente por julgá-lo um pouco louco, achei que ele poderia se ofender com meu comentário e não querer participar do Foi no mês que vem, mas ele se mostrou louco além da conta e participou.

Propus ao Pedro que a gente cantasse À beça juntos, uma música que no disco Tambong ele deixou marcada por um solo extraordinário de baixo fretless, uma de suas especialidades. Para quem não sabe, o baixo fretless não possui trastes, aqueles “ferrinhos” que delimitam as casas no braço do instrumento. O braço fica liso como o do violoncelo ou do contrabaixo acústico, e som fica mais lúbrico, não no sentido da sensualidade, embora não estivesse errado dizer que é uma sonoridade bastante sensual. Bem, o sol lá fora está caindo... Sugeri ao Pedro que tocasse um baixo elétrico convencional, com trastes, para irmos direto a outra leitura da mesma música, e que, além disso, tocasse algum instrumento solo. O Matias Cella sugeriu um violão de 12 cordas. Por acaso o Pedro tem uma Taylor de 12 que soa como um piano. Mas o próprio Pedro propôs experimentarmos um cuatro venezuelano, instrumento que estou acostumado a ouvir porque meu filho, Ian, compõe muito com um desses. O cuatro soa como um ukelele mais gordinho e amistoso. Mas eu não acreditava que alguém pudesse fazer um solo demorado com ele. Eu já tinha gravado o violão-base de À beça. Quando o Pedro veio com a ideia do cuatro, perguntei se o número de compassos reservados para o solo não era excessivo. Para muita gente, enfrentar aquele espaço com um cuatro seria como atravessar um deserto a pé, sem água e comendo salgadinhos sabor bacon. Mas o Pedro, modestamente, me disse: “Vamos ver o que acontece”, com seu português impecable.

Como era de se esperar, a gravação do baixo foi um espanto. Pedro pediu um pré-amplificador que desse uma sujada no som do seu flamante Rickenbaker branco, abafou as cordas com uma surdina do próprio instrumento (um espécie de ponte de veludo que sobe e amortece as cordas, a little bit of magic, conforme ele definiu) e mandou ver. Rock’n roll, nena!, como diz o Pomelo, personagem do Capusotto. Tivemos de passar o babeiro entre os presentes. Depois o Pedro agarrou o cuatro venezuelano e atravessou o deserto numa caravana carregada de ouro, água fresca e belas mulheres. Só ouvindo para crer.

No mais, ele dividiu os vocais comigo. Já não preciso dizer que é um cantor de primeira também. O curioso é que, antes de cantar, ele levou um bom tempo digitando em seu Ipad toda a letra e todas as notas que ia cantar. Aposto que o Steve Jobs criou esse aparato pensando nele, um sujeito que consegue ser, ao mesmo tempo e ao extremo, racional e criativo. Coisa de louco.

Vamos a la playa...

Até a próxima

Abraços
Vitor Ramil

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