David Coimbra, no Zero Hora de sexta-feira, dia 29 novembro
O brasileiro é um coitadinho. Eis a característica que unifica um povo tão diverso. Porque o brasileiro pode ser qualquer um: pode ser alto ou baixo ou de altura mediana, pode ser loiro ou negro ou mulato ou moreno, pode ser turco, japonês, alemão, africano. O brasileiro pode ter qualquer aparência, e não é por outro motivo que o passaporte brasileiro é o mais cobiçado pelos escroques internacionais. Mas todo brasileiro se sente um coitado. Todo brasileiro se acha injustiçado. Os chefes dos brasileiros são incompetentes e os perseguem. Os policiais os oprimem. Os governos são ainda piores: extorquem empresários e trabalhadores, e se esquecem do povo.
Ah, o povo. O brasileiro sempre fala no povo como uma gigantesca e impalpável entidade subalterna a outra entidade não tão gigantesca, mas igualmente impalpável: a malévola “Eles”. “Eles” se aproveitam da ingenuidade do povo, “Eles” são corruptos, “Eles” é que estragam um país tão rico e belo, “Eles” não sabem aproveitar as qualidades dessa gente inzoneira, feliz e criativa.
Quem são Eles?
Os governantes, os chefes, as autoridades. A responsabilidade é toda deles.
O brasileiro ganha mal? A culpa é do patrão que o explora. Mora mal? Por causa do Estado, que não financia a Habitação. As filas, a violência urbana, a sujeira das cidades, a carestia – Eles são culpados. A razão do problema nunca está no brasileiro, está fora dele.
Agora mesmo, milhares de brasileiros foram vitimados pelas enchentes em Santa Catarina, e parece que neste caso não dá para atribuir a culpa a ninguém, senão à Natureza inclemente. Aí, como reagiram alguns brasileiros à tragédia que martiriza seus semelhantes? Comerciantes aumentaram os preços dos alimentos e da água potável – li que um litro de água chega a ser vendido a R$ 14. Flagelados não abandonam suas casas com medo de que sejam arrombadas. Depósitos de mercadorias estão sendo atacados. Vi fotos de gente levando produtos de saque pela rua dentro dos próprios carrinhos dos supermercados. Não eram alimentos. Eram TVs de tela plana, eletrodomésticos e bebidas alcoólicas. Uma farra. Para arrematar a festa, os caminhões que tombam nas estradas são saqueados pelas comunidades lindeiras às rodovias e pelos outros motoristas.
É o brasileiro que faz tudo isso. Não são os chefes, nem os patrões, nem os governantes que estão espoliando flagelados, roubando motoristas acidentados ou invadindo casas, supermercados e depósitos. Não são “Eles”. É o brasileiro. O povo. Por sua conta e iniciativa, sem que ninguém ordene ou o obrigue.
O que são essas pessoas que saqueiam caminhões tombados ou casas abandonadas?
Não são oportunistas. São ladrões vulgares.
O que são os homens que aumentam o preço da água potável que saciará a sede dos flagelados?
Exploradores cruéis.
Não são coitadinhos. São mesquinhos, gananciosos e desprezíveis. São grosseiros, velhacos e baixos. São a ralé. A escória da raça humana. São grande parte do povo brasileiro.
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