Aos 68 anos o gaúcho Fausto Wolff morreu no Rio no último dia 5
Márcio Pinheiro, publicado no caderno Cultura, da Zero Hora deste sábado
Contrariando a nobreza européia que seu nome carregava, Fausto Wolff – nascido Faustin von Wolffenbüttel – optou pela versão reduzida e preferiu o lado plebeu da vida. Como definiu Millôr Fernandes, parceiro de Pasquim, “Fausto Wolff, em toda parte, procurou e conviveu com os da sua estirpe – escritores, cineastas, poetas e grã-finas. E com os da sua laia – bêbados, putas e brigões”. Seu perfil, era o de um homem de excessos. Mais de 1m90cm, voz tonitruante, capacidade infinita para tomar chopes e steinhagers. Tantos exageros cobraram seus preços e, no dia 5, Fausto Wolff morreu de uma infecção generalizada. Estava com 68 anos.
Fausto Wolff tinha também um talento para se inventar. Primeiro no Rio Grande do Sul, onde nasceu (em Santo Ângelo, em 1940) e começou sua carreira jornalística de mais de cinco décadas. Depois, ainda com menos de 20 anos, no Rio, cidade onde se tornou uma das maiores referências da boemia e da inteligência ipanemense. No Rio, fez sucesso também como homem da noite e conquistador. Pelo seu apartamento na Rua Saint-Roman passaram algumas das mulheres mais desejadas de sua época, aí incluída Tônia Carrero em seu esplendor. O momento profissional era grandioso, com ele à frente de três colunas. Escrevia sobre TV no JB (sendo pioneiro a tratar o tema com a seriedade devida), teatro na Tribuna da Imprensa e política no Diário da Noite. Suas opiniões se amplificavam mais ainda através do Jornal de Vanguarda – comandado pelo produtor Fernando Barbosa Lima, que, coincidentemente, morreu no mesmo dia 5. Tanta exposição – e de maneira tão vigorosa e veemente – chamou a atenção da censura e, aos 28 anos, Fausto Wolff se mandou para Europa.
Passou dez anos por lá, dividindo-se entre a Dinamarca e a Itália. Voltou em 1978, quase que na mesma leva de tantos brasileiros que retornavam com a anistia. “Ao retornar, verifiquei que a liberdade adquirida na Europa não me permitiria trabalhar com a consciência tranqüila na grande imprensa, sócia do poder, e fui ficando no Pasquim”, lembrou ele há três anos. Fora das redações, aproximou-se da política. Apoiou a vitoriosa campanha de Leonel Brizola ao governo do Rio em 1982 e, três anos depois, comandando uma turma de 60 estagiários, produziu um dos mais completos retratos sociológicos de uma metrópole. A partir de depoimentos de operários, travestis, policiais, bancários, camelôs e tantos outros personagens que compõem a fauna urbana, Fausto Wolff organizou Rio de Janeiro: Um retrato – A Cidade Contada por seus Habitantes. No ano seguinte, tentaria, sem sucesso, uma vaga na Assembléia Constituinte, concorrendo a deputado federal pelo PDT do Rio.
Longe do dia-a-dia do jornalismo, Fausto Wolff pôde se dedicar aos livros. E a literatura saiu ganhando. Era um autor criativo, incisivo, versátil, engraçado e mordaz. Duvida? Confira em obras como O Acrobata Pede Desculpas e Cai (1997), O Nome de Deus (1999), A Imprensa Livre de Fausto Wolff (2004) – que ele brincava que o título poderia ser lido por qualquer ângulo. Além desses, vale ao leitor buscar uma experiência: À Mão Esquerda, obra quase memorialística, lançada em 1996. À Mão Esquerda foi um ajuste de contas com seu passado, um depoimento regado a hectolitros de uísque e que revirava boa parte das aventuras jornalísticas, teatrais, políticas e sexuais do autor. Foi elogiado por todo mundo, de Cony a Sérgio Augusto, de Millôr a Ziraldo. Apenas Ivan Lessa – talvez por conta de antigas brigas – resolveu esculhambar o livro em uma resenha na revista Veja.
Sabendo que não era fácil ser escritor num país que ninguém lê, Fausto Wolff dizia que para exercer seu ofício era preciso ter caráter e honestidade, saber absorver as experiências e, finalmente, passar isso tudo para o papel com um estilo. Poderia parecer um nefelibata, mas era um realista que sabia que a verdade é o alicerce da ficção e só a ficção coloca a realidade nos eixos.
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