Sou um cara profundamente impressionado com o gênero humano e seus sentimentos peculiares. Ainda acho que a vergonha deveria ser inserido no grupo das virtudes morais, e vou tentar explicar os motivos.
Coragem e prudência não servem para nada sem vergonha. Não estou me referindo a ideia de 'vergonha-na-cara' ou vergonha de coisas que não dizem respeito às outras pessoas, pertencem ao indivíduo e somente ao indivíduo. Isso não é vergonha, é puritanismo. A vergonha é necessariamente um conceito público - e nisso se diferencia da prudência e da coragem.
Na semana passada, uma executiva, herdeira de uma companhia de aviação sul coreana, pediu perdão publicamente por ter humilhado funcionários e atrasado um voo que saía de Nova Iorque para Seul. A justiça da Coreia do Sul disse que a mulher não podia tratar um voo comercial como se fosse seu, muito menos tratar seus funcionários como se fossem escravos. Um dos funcionários humilhados pela dondoca, pasmem, chegou ir a TV pedir desculpas para a patroa de joelhos na frente de um entrevistador. O extremo da vergonha. A vergonha é capaz de confundir .
Lembrei do caso do Budd Dwyer. Dwyer foi acusado de receber propina, enquanto era secretário do tesouro nacional na Pensilvânia. Nunca provaram nada e o caso é polêmico até hoje. Nada foi resolvido. Mas o fato é que Dwyer foi a público pedir demissão, distribuir a folha de pagamento do seus funcionários, pedir desculpa e dar um tiro na própria boca com uma Magnum .44, Uma cena lendária.
(Vou colocar o vídeo no final do texto, mas só assista se você está habituado a ver pessoas morrendo e tem o estômago bem elástico para a podridão que nossa espécie está deixando sobre a Terra)
No Brasil, vergonha pública é papel higiênico de folha simples. Aqui, remorso é fenômeno siberiano, extratropical, não chega nunca e quando aparece é no formato de brisa. Se o cara for flagrado usando dinheiro público para implante capilar, o promovemos a presidente do Congresso. Se for processado por compra de votos, damos pra ele a relatoria da nossa sonhada reforma política. Somos capazes de passar dezenas de anos transformando uma reforma política em reforma ministerial. Não temos vergonha disso. Não temos vergonha de ver aquele que ajudamos a eleger, diretamente com o nosso voto, cortar direitos trabalhistas, depois de mentir publicamente que não o faria. Quando vemos um político chamar rede nacional de rádio e TV, jamais é para pedir desculpas. É para ratificar a própria arrogância latina, uma paudurência flácida dessas motivadas por alguma catuaba da amazônia, dessas tão afrodisíacas quanto naturalmente feitas pela indústria de xaropes.
Nada disso é falta de coragem, nem ausência de prudência. É falta de vergonha política e só.
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