“Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas”, EE.
Cummings.
Antes de ler, assista isso:
Se tivéssemos sido suficientemente espertos para colocar os
problemas da nossa existência nas mãos das mulheres, tudo seria extremamente
igual. Mais charmoso, quem sabe. A história do pensamento humano reserva a
maioria das suas páginas mofadas a três problemas centrais. Essas questões
jamais serão respondidas. Faz parte de sua natureza não aceitar a física e contestar
todas as ciências humanas. Os grandes pepinos da metafísica são: a ontologia de
Deus; a imortalidade da alma; e existência ou não do livre-arbítrio.
Quando uma dessas demandas for suprida, imediatamente, as
outras não serão mais problemas. Esses mistérios não foram tratados só pela
filosofia. Como a mulher ficou mais de dois milênios excluída da vida
intelectual, os homens buscam as respostas. Os principais personagens dessa
discussão foram grandes cientistas, pintores, poetas, cornos profissionais e fracassados
em geral. Não importa. Eram homens. Eles não puderam fazer nada. E nenhum homem
jamais fará. Do ponto de vista estético, toda a verdade e falsidade do universo
está nas mãos das mulheres. Literalmente.
Minha mãe usa creme para as mãos desde muito antes de eu
existir. Cada vez que eu a vejo, ela está mais jovem e bonita. E eu? Sempre
mais velho e feio. Minha mãe enganaria, tranquilamente, ao meu lado como esposa.
Ou irmã mais nova. Mas precisaria usar luvas: suas mãos, cuidadosamente
tratadas com o conjunto, estão cada dia mais velhas e enrugadas. Pode isso,
Arnaldo? Pode. A regra é clara. Só as mãos podem confessar a idade de uma
mulher.
Eu roo unhas desde os oito anos de idade. Há 20 anos minhas
unhas não são aparadas com um cortador. É um péssimo hábito. Pura inveja por
não ter mãos bonitas como as das minhas irmãs, provável. Além das unhas ralas e
fracas, dos calos e do suor, adquiri, aos 19 anos, uma facada no dedão da mão esquerda.
A lâmina procurava meu pescoço. Dei sorte. O detalhe é o seguinte: mesmo
esfaqueada, minha mão não ficou muito mais disforme do que já era. Mão de homem
não presta, desde sempre. Ou está elaborando uma guerra ou se defendendo de uma
facada. Mão de mulher é diferente.
Responsável por carregar as verdades do universo, as mãos
femininas precisam pagar o preço da insolência. Envelhecem, mancham, enrugam e
estão condenadas a carregar esmalte nas unhas. Esmalte e anéis não são meros
adornos. São disfarces. A verdade precisa estar camuflada permanentemente. Nua
e crua toda realidade choca, e provoca transtornos nos incautos.
Jovem, a mão de uma mulher pode ter o formato que quiser. Eu
prefiro as pequenas, de dedos curtos. Mulher de mão grande apequena o pau. Os
dedos finos e alongados têm muito valor também, mas não combinam bem com as
cobiçadas unhas compridas. Homem bom de tato é cego. Toda a sensibilidade do
mundo cabe na ponta de uma única unha feminina. Em contato com a pele adversária,
uma unha dessas pode causar dor ou prazer. Dor e prazer pode ser a mesma coisa.
Poderia Ronaldo Nazário ter se engado, caso tivesse dado
atenção para a mão da sua companhia afetiva daquela noite? Duvido muito. Nos
travestis ele deu calote. Do preço do vexame, ninguém escapa. Travesti nenhum
engana com uma mão de motorista de caminhão.
Diferente da mão masculina, os quatro espaços entre os dedos
das mulheres não são vazios. A areia ou chuva que passa por ali cai no chão
mais pesada. Claro que existe mulher de mão feia. O que não existe é mulher com
mãos mentirosas. A mão não está preocupada com o caráter da dona.
Como não havia um sistema de som muito qualificado, os
imperadores romanos apontavam com a mão para o céu quando queriam absolver um
condenado diante do público afoito por sangue. Insolência pura! Fossem as mãos
deles detentoras de alguma verdade! Céu e inferno foram feitos,
respectivamente, para homens bons e maus. A maioria da humanidade circula
permanentemente entre o vício e a virtude. As mãos femininas não condenam;
muito menos absolvem. Mão de mulher sabe que a história não é feita de heróis e
vilões.
***
Esse texto foi, originalmente, publicado em uma edição muito melhor no site Papo de Homem, para o qual eu adoro contribuir. Por algum motivo, provavelmente técnico, o link original está quebrado. Buscando preservar o conteúdo, estou o reproduzindo aqui. Neste link, há a lista completa dos meus textos publicados no PdH.
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Esse texto foi, originalmente, publicado em uma edição muito melhor no site Papo de Homem, para o qual eu adoro contribuir. Por algum motivo, provavelmente técnico, o link original está quebrado. Buscando preservar o conteúdo, estou o reproduzindo aqui. Neste link, há a lista completa dos meus textos publicados no PdH.
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