segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Uma noite na ópera

Elton Schimo, de Santa Rosa

À chegada, faltando ainda uma boa pernada até o Centro Cívico, já se fazia presente, sem cerimônia alguma, o odor característico - e deveras enjoativo, se me permitem - das
popcorns amanteigadas, parte indissociável do american way of movie life que contaminou o planeta. Vencida essa pequena intempérie, eis que surge, servilmente estendido, ele, o tapete vermelho, símbolo de pompa e circunstância que adorna festivais e estreias cinematográficas onde quer que aconteçam. Pelo jeito, o Santa Rosa Mostra Gramado não estava para brincadeiras.

Tapete devidamente percorrido, adentramos no teatro ao som da Orquestra Sesi Santa Rosa, que há pouco iniciara seu recital (a fria quinta-feira de 24 de setembro ia lá pelas oito e quarenta da noite). E então uma belíssima surpresa: centenas de pessoas enchiam de calor e vida nossa grande casa de espetáculos. Poltronas vazias escasseavam. Maravilha!

Um parêntese: pena que o som de nossa Orquestra, propagado do palco sem o auxílio da eletricidade, precisasse disputar a atenção da plateia com um fiapo de ruído que escapava de uma das tubulações do ar condicionado. Outro parêntese: bendito ar condicionado Até que enfim!

Mas tudo bem, o baile segue. Encerrado o concerto - com um pot-pourri de trilhas hollywoodianas -, o reconhecimento do público carimbou o acerto da escolha. Aplausos em pé. Próximo ato: sobem ao palco autoridades e organizadores do evento para, como de praxe, fazerem uso da palavra. Satisfação, agradecimentos e choro.

Logo após, mais algumas doses da prata artística da casa. Dois grupos de dança, a saber, Santa Rosa em Dança e Movimentos, revezam-se no tablado por quatro coreografias. O público curte, vibra, torce. Aplaude em pé todas as performances. Seria este o ponto alto da noite? Provavelmente sim. Ah, o som tava no talo, vários decibéis acima do necessário.

De volta às palavras. Desta vez sobem ao palco os convidados especiais da Mostra: atores, produtores e diretores de cinema; as estrelas, portanto (confesso aqui minha santa ignorância. A única figura que me era familiar atende por Anderson Farias, cineasta e meu amigo). Pontos recorrentes de suas falas: agradecimentos gerais, a crença num cinema brasileiro, a qualidade das performances artísticas recém apresentadas e a emoção das autoridades. O público retribui os afagos.

A vez do cinema

Pano rápido e vamos ao que deveria interessar. Teatro às escuras, a tela recebe a projeção (via dvd) do curta-metragem
De Volta ao Quarto 666. O filme registra um depoimento do cineasta alemão Wim Wenders sobre o futuro do cinema. E dialoga com um documentário do próprio Wenders, de 1982, onde ele inquiria vários colegas (Antonioni, Godard, Fassbinder, Spielberg, etc.) sobre esse mesmo tema. Tudo é captado em um simples quarto de hotel (Cannes, em 82. Porto Alegre, 2008) e sem muita onda. Sem dúvida, uma bela sacada de Gustavo Spolidoro, o realizador deste De Volta ao Quarto 666.

Uma projeção acanhada (com pouca luminosidade), a fala pausada e "pra dentro" do alemão Wenders - incrível, não?, um alemão falando baixinho -, o tema da "fita" e sua falta de "ação", a necessidade de concentração, tudo isso gerou um contraste brutal com a excitação, o movimento e a "sonzeira" que até então reinavam no ambiente. Não deu outra: parte do público, em número considerável e crescente, começou a abandonar o navio.

A noite alcançava às dez horas, quando, enfim, chegou a vez do melhor longa brasileiro do último Festival de Gramado ocupar espaço e tempo santa-rosense.
Corumbiara, documentário resultante da obsessão de um cineasta (Vincent Carelli) e um indigenista (Marcelo Santos) em tentar comprovar um massacre de uma tribo indígena nos confins de Rondônia - e, consequentemente, trazer seus perpetrantes às barras da justiça - é um filme impressionante. Foram mais de vinte anos entre idas e vindas da floresta, batendo de frente contra tudo e todos, para concluir o projeto. O filme foi finalizado. Agora, quanto a fazer-se justiça... já seria esperar demais.

Por aqui,
Corumbiara também merecia melhor sorte. Deveria ter sido visto em condições normais de temperatura e pressão: mais cedo, com melhor definição de som, e em versão legendada (por que é que ainda não legendam os filmes brasileiros?). Eu, por exemplo, entendi apenas metade das falas da fita. Mesmo assim valeu muito a pena.

Levando-se em conta todo o contexto - nossa (falta de) bagagem cultural incluída - a debandada geral seria inevitável. E assim o foi. A meia centena de indivíduos que insistiu até o final da projeção também não configura nenhum bando de herois. No geral, de uma forma ou outra, fazíamos parte da empreitada da Mostra.

O último a sair, apagou a luz.

Ainda:

O curta-metragem
De Volta ao Quarto 666 pode ser assistido
no seguinte endereço


Quanto a
Corumbiara, não deixem de vê-lo. Solicitem à locadora, ao Canal Brasil, ao Cinemax. Se for o caso, baixem-no!

Nenhum comentário: