Carta escrita numa Olivet e enviada de Porto Alegre pelo jurista e tirador de onda Paulo Heitor Fernandes. Sim, eu digitei letra por letra! Vale a pena...
Os guardiões do erário público estadual, depois de meus trinta e seis anos e onze meses de trabalho prestado à causa republicana, querem comprovar que eu permaneço vivo, assim, obrigam-me a comparecer, ao vivo e em cores, uma vez ao ano, no estabelecimento bancário da recebedoria, onde devo apresentar-me e identificar-me, provando, mais meu CIC/CPF, além de domicílio o que só pode ser feito com um recibo de conta de luz, ou água.
Ao abrir da casa bancária, passe folheiro na porta giratória, e, de logo, fui atacado por uma das “facilitadora” (assim estava escrito no jaleco):
- Pois não, onde é que o senhor quer ir?
- Bom dia: quero ir identificar-me e provar que estou vivo.
- É... Bem... Entra naquela fila ali.
Estranhei que tanta gente – uns dezesseis se bem conte – já tivessem me ultrapassando e se alinhavam no renque. Mal perfilei-me, quando abordou-me um guarda:
- O senhor está na fila errada?
- Não, senhor. Fui orientado pela “facilitadora” de plantão para tomar lugar aqui.
- Mas essa fila é só de idosos.
- Eu presumo que todos os “retirados” são idosos e, demais, eu sou até avô.
- O senhor? Mas então deve ser por merecimento, não por antiguidade... Para aí! Avô até o Raí é, e não é velho.
Aí, dei-lhe a ver minha identidade. Ele olhou admirado para a carteira e disse:
- Quem diria?!... Garanto que isso já lhe aconteceu outras vezes?
- Já fui barrado no baile da terceira idade por não ter os mínimos trinta e cinco anos. Não fosse esta carteirinha salvadora teria perdido o arrasta-pé.
Quando faltavam três pessoas a serem atendidas à minha frente, uma “facilitadora” se apresentou com uma senhora, aparentando uns setenta recém feitos, assim com aquela figura da Glória Menezes, ou Jane Moreaux e proclamou:
- A senhora, aqui, vai entrar na frente, é mãe de febiano, herói de guerra.
Pensei, com meus botões, mãe de febiano, por mais herói que seja deve ter, ao menos, cento e alguns anos. Increpei-me
- Herói, por herói, eu também sou. Lutei na Guerra da Criméia. A ignorância geral não percebeu que eu deveria ter, então, uns duzentos anos, ou andar perto. Prontamente, fui passado à frente. Não adiantou. Exigiram-me uma conta de luz, ou de água, em meu nome (as contas estavam em nome de minha mulher). Não sendo aceita a prova de domicílio feita mediante escritura pública e registro do imóvel em que moro, em meu nome, nem, tampouco, a conta de condomínio, também em meu nome. Resultado, tive que ir à companhia de luz, trocar de nome na conta e pagar taxas, voltando à fila enorme, dias depois.
Isso tudo causou-me a maior desolação. Explico: estava eu com propósito de morar em Paris, mas como vou provar domicílio se lá não tem CEEE?
quarta-feira, 4 de março de 2009
Haja Luz!
Postado na editoria do Capeta:
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