quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Entrevista: Fabrício Carpinejar

“Medo de não ter vivido o suficiente”

Se houvesse algum compromisso entre a arte e a vida, Fabrício Carpinejar caminharia para a história da literatura brasileira como um dos maiores poetas de todos os tempos. O caxiense, de 34 anos, que ainda anda sobre o telhado das casas, empina pipa e conversa com os próprios sapatos busca linhas imaginárias nas calçadas com uma simetria que só ele vê.

Nesta semana, foi lançado o livro Canalhas!, última obra do autor, em Porto Alegre. O poeta, que já realizou até matrimônio, fala ao Capeta por telefone.

Marcela Pearson e Everton Maciel

Educado, o sangue
Apaga a luz ao sair *

Capeta – Verdade que teu primeiro poema foi para o convite fúnebre de um parente?
Fabrício Carpinejar
– Verdade. Comecei a viver na poesia para defender uma morte. Não deixa de ser um pouco contraditório e, também, não deixa de ser legítimo. Foi no convite de enterro da minha avó. Eu era muito pequeno, e acabei contando para minha mãe a respeito da minha avó de uma maneira poética. Acho que o pensamento sempre esteve poético dentro de casa. Daí, foi publicado no convite de enterro da minha avó, em 79.

Capeta – Algum problema com a morte te afeta?
Carpinejar
– Eu não tenho medo da morte. Tenho medo de não ter vivido o suficiente. Não tenho medo de fantasma, do outro lado. É evidente que tu tens esperança, pelo outro lado. Sou um homem de fé. Sou aquele homem que vai rezar, assim que dá um beijo no filho. É bonita a paternidade, porque, se tu deixa de rezar por si, com o filho, tu aprendes a rezar por ele. A paternidade tem muito disso. Antes de ser pai eu rezava por mim, depois de ser pai eu passei a rezar pelos filhos. Tu aprendes a rezar pelo outro.

Capeta – Tens algum relacionamento com a tristeza?
Carpinejar
– Minha tristeza? Eu não sou muito triste não. Sou um homem alegre, expansivo, passional, afetivo. Dificilmente fico deprimido, e quando fico deprimido é uma questão de dois minutos – nem isso – é o tempo de uma música. Logo depois eu volto para minha freqüência. Principalmente porque eu acho que tenho um otimismo de vontade de ação. Acredito na atitude. Não gosto de ser uma parabólica da tristeza, dificilmente eu estou criticando a vida, ou depreciando a vida. Nascer é uma celebração. Tento enquadrar isso dentro de casa. Como a gente pode puxar brigas por coisas tão fúteis. As brigas são por motivos fúteis. As brigas domesticas são por motivos fúteis, e quanto a gente poderia prevenir ou tentar erradicá-las com senso de humor – se tivermos mais senso de humor. O humor liberta, torna-te mais leve e crítico consigo mesmo para poder se amar melhor.

Capeta – E viver nesse extremo pode te levar imediatamente para baixo quando há necessidade que isso aconteça?
Carpinejar
– É evidente. Mas, acho que, eu não sou bipolar. Tenho realmente esse otimismo de ação, atitude, sabe? Se eu tenho algum problema, tentarei resolvê-lo. Se eu tenho alguma dívida, trabalharei mais. Parto desse princípio. Não é que eu escrevo pouco: eu preciso trabalhar mais. É essa a perspectiva: batalhadora. Se não estivesse trabalhando como docente e jornalista, estaria em qualquer outra função. Porque eu estaria trabalhando com gosto. Não diminuo a minha realidade pela idealização. Nunca me sentirei deslocado, porque quis estar num lugar melhor. Realmente, cumpro o peso do meu corpo. Estou aonde enxergo.

Capeta – Esteticamente o Fabrício é o quê?
Carpinejar
– Alucinado. Tão alucinado pela verdade que mente de montão. (Risos) A mentira, no meu caso, não é para diminuir a verdade é para chamar atenção da verdade. Trata-se de uma espécie de contingente da imaginação. Esteticamente eu quero o prosaico. Quero o mínimo, o resto. Quero aquilo que as pessoas não estão enxergando, porque está na cara delas. Não me interessam sentimentos sublimes, nobres, elevados. O que me interessa é encontrar o ritual do cotidiano. E preservar esse cotidiano. Preservar aquilo que a gente não valoriza todo dia.

Capeta – Academicamente és?
Carpinejar
– Tenho prolongado a minha atuação de criador na sala de aula – é o que eu espero fazer. O mesmo impacto da criação do poema é o impacto da sala de aula. Quando estou com os alunos, é o mesmo processo de criação. Eu não estou lá para reproduzir um conhecimento. Estou lá para transformar o conhecimento.

Capeta – Não tens uma responsabilidade muito grande diante dos teus alunos? Não te cobram demais?
Carpinejar
– Eu gosto da cobrança! Meu sonho, quando pequeno, era sentar na cabeceira da mesa! Gosto da cobrança, porque gosto da responsabilidade. Penso que, se brinca com a responsabilidade. Divirto-me com responsabilidade. Assumo o destino e o caminho das minhas palavras. Não quero ficar fazendo firula da “inspiração”, da “musa”. É a mesma coisa na sala de aula: tenho um compromisso com o ensino. Compromisso de ser o melhor possível e mostrar que essa minha inspiração também é inspirada. Não é só aquela “inspiração”. Tudo é exercício, trabalho, estímulo, treino... precisamos treinar a intuição no casamento, com os filhos, na poesia. Não tem como fugir disso, ninguém aprenderá a tocar violão sem cair, tremer suas mãos no violão! É preciso um stylle. É importante esse contato com o público e com os alunos. O autor precisa ler o mundo para poder escrever. Não adianta escrever, sem ler o mundo. Se for assim, a gente apenas se repetirá.

Não quero ser prolongação do meu umbigo. Até porque meu umbigo não é tão bonito!

Capeta – Sério que você dormiu na cama da Xuxa?
Carpinejar
– Em Santa Rosa, tem essa lenda, né?! Na hora que eu fui ao hotel, falaram-me que era a cama da Xuxa. Achei até bem quentinha. Pensei que a Xuxa tinha saída dali há pouco tempo. Mas já me confessaram que todos os hotéis hospedaram a Xuxa, no mesmo dia. Então não sei se é verdade ou não.

Eu preferia ter perdido tudo
Para não ficar reparando
As pequenas perdas *

Capeta – Você perde uma parte sua no ponto final de cada poema?
Carpinejar
– Não. Não perco pouca coisa, perco tudo. Coloco a minha vida nessa aposta. Não coloco pouco. Quem coloca apenas um pouco de si nunca vai receber um leitor por inteiro. Na poesia, perder é ganhar.

Capeta – O que tu vês nos espelhos?
Carpinejar
– Eu não sou muito freqüentador do espelho. O fato de ter nascido feio fez com que procurasse o espelho no rosto dos outros. Assim, sinto-me muito mais bonito.

Capeta – Como é escrever no corpo de uma mulher?
Carpinejar
– Ah... é usar uma tinta invisível. Porque a gente não precisa ler no dia seguinte: teremos vontade de escrever novamente.

Capeta – É na releitura que habita o verdadeiro sentido da linguagem?
Carpinejar
– É verdade. No corpo, tu não estás repetindo. O corpo te provoca para ser cada vez mais refém dele. O poeta nunca escreverá no corpo. Ele será a letra desse corpo. É o corpo que te escreve.

Eu estou perdendo a memória e cheguei a seguinte conclusão: minha mulher perdoa homem sem memória, mas não perdoa homem sem imaginação.


* Poemas extraídos do livro “Cinco Marias” (CARPINEJAR, Fabrício; Bertrand Brasil, 2004)

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