sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Singer: a refutação utilitarista ao especismo

Everton Maciel

INTRODUÇÃO

Cumprindo o dever filosófico de tradução dos termos próprios da filosofia para uma linguagem acessível a todos os interessados, o filósofo australiano Peter Singer, em sua obra Ética Prática, destaca, entre outros assuntos, os direitos dos animais.

Autor de Libertação Animal, obra que causou polêmica e é usada como referência por ativistas dos direitos dos animais do mundo todo, Singer retoma o tema em sua obra Ética Prática. O livro contém uma coleção de textos editados apuradamente para que haja uma conexão fina entre os pensamentos relativos à boa parte da carreira do autor.

O princípio da igualdade serve como alicerce para que muitos temas polêmicos, que se arrastaram pelo século XX e explodiram no século XXI, sejam tratados com a atenção que merecem. Nesse contexto, esse trabalho abordará um ponto nevrálgico dessa tensão: o capítulo três, intitulado “igualdade para os animais?”.


1 IGUALDADE PARA OS ANIMAIS

Propositalmente, Singer inaugura o capítulo 3 de sua obra com algumas interrogações. O estilo instigante do autor insere em muitos títulos dos capítulos de Ética Prática uma pontuação reflexiva. No capítulo “igualdade para os animais?” Singer adota o mesmo critério. Sua intenção é mover o leitor através de um jogo lógico que necessariamente trata os animais como seres sencientes com as mesmas características que os seres humanos. Com a intenção de introduzir sua discussão Singer, mais uma vez, interroga:


Mas que dizer dos animais? O bem-estar dos animais não se insere numa categoria totalmente diversa, uma história para pessoas loucas por cães e gatos? Como é possível que alguém perca o seu tempo tratando igualmente dos animais, quando a verdadeira igualdade é negada a tantos seres humanos? (SINGER, 2002, p. 65)

O argumento central do autor para atribuir aos animais direitos iguais que aos seres humanos à vida e à liberdade é o princípio da igual consideração de interesses. Na condição de minimalista, Singer sugere uma base mínima, condição indubitável, aceita por todos, para que possamos encontrar legitimidade na sua filosofia ética.

Parece-nos legítimo aceitar que todos os animais, inclusive os não humanos, possuem na sua natureza a intenção de se aproximar do prazer e se afastar da dor. Todavia, como o direito às condições básicas de manutenção da vida e da liberdade foi negado durante a história da humanidade mesmo a seres humanos provenientes de minorias étnicas, como estender esse direito igualmente aos animais?

Neste contexto histórico, Singer cita um dos poucos filósofos que se arriscaram a estender aos animais diretos semelhantes aos seres humanos: Jeremy Bentham, criador do utilitarismo moderno, admitiu que o princípio da igual consideração de interesses tem suas implicações extrapolando a espécie humana:


Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser seja abandonado, irreparavelmente, aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação dos sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino (apud. SINGER, 2002, p. 67).

Em cinco pontos, Singer justifica a ampliação dos direitos morais aos animais: a) nossa preocupação com os outros não deve depender de como são; b) os animais possuem capacidades intelectuais semelhantes, ou superiores, a bebês e deficientes mentais; c) não há justificativa moral para não levarmos em consideração o sofrimento de um ser; d) não há como dar prioridade ao sofrimento de determinadas espécies frente a outras; e) na reflexão sobre o valor da vida, uma vida humana e animal possuem o mesmo valor, pois não está na base da espécie em si o valor da sua vida.

No caso do ponto que leva em consideração o fato de que não devemos nos importar com os outros dependendo de como eles são, verificamos que o princípio da igual consideração de interesses não prevê que podemos explorar seres que não pertencem a nossa espécie. Não devemos, portando, deixar de levar em conta os interesses dos animais. A premissa da igual consideração de interesses é ratificada por Singer em uma recente entrevista a revista Época. O filósofo diz o seguinte quando perguntado pelo repórter sobre quem determina as premissas que devemos seguir:


Ninguém determina. Cada um de nós determina para si próprio. Devemos fazer isso pensando claramente sobre o que fazemos, nos perguntando, por exemplo, se gostaríamos que fizessem conosco o que fazemos com o outro (SINGER, 2008).

Podemos lembrar de outra passagem da citação de Singer a Bentham para ratificar o segundo ponto, que dá conta da comparação entre animais e alguns casos especiais de seres humanos, bebês e deficientes mentais:


Um cavalo ou um cão adulto são muito mais racionais, além de bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim: que importância teria tal fato? A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas, sim, se são passíveis de sofrimento (apud. SINGER, 2002, p. 67).

É importante lembrar que Singer voltará a comparar humanos e animais mais demoradamente em um subtítulo importante do capítulo três, “Diferença entre seres humanos e animais”. Sobre isso, nos deteremos quando chegar o momento.

No ponto que diz respeito ao fato de não haver justificação para não levarmos em consideração o sofrimento de outro ser, precisamos compreender que “a dor e o sofrimento são coisas más e, independentemente da raça, do sexo ou da espécie do ser que sofre, devem ser evitados ou mitigados” (SINGER, 2002, p.71).

Tendo em vista que não há como priorizar o sofrimento de determinadas espécies frente às outras, seria necessário que houvesse uma mudança radical no nosso comportamento, especialmente no comportamento alimentar. Singer não admite que para a satisfação de nosso prazer gustativo seja imposta a morte e, mais pontualmente ainda, o sofrimento de animais que são utilizados como alimentos:

O princípio da igual consideração de interesses não permite que os interesses maiores sejam sacrificados em função dos interesses menores. (...) Para que a carne chegue às mesas das pessoas a um preço acessível, a nossa sociedade tolera métodos de produção de carne que confinam animais sensíveis em condições impróprias e espaços exíguos durante toda a duração de suas vidas. (Singer, 2002, p. 73).

Voltaremos a este assunto posteriormente. Antes disso é importante complementar dizendo que o valor da vida em si talvez seja o ponto mais polêmico na filosofia ética de Singer. Ele, inclusive, trata desse ponto particularmente no capítulo seguinte, “O que há de errado em matar?”. No entanto, é importante destacar o que próprio autor ressalta diversas vezes: a questão não é diminuir a importância e a relevância da vida humana, mas salientar que qualquer vida merece ser respeitada seja ela da espécie que for sem estabelecer critérios hierárquicos às diferentes formas de vidas. “Como faríamos isso já é outra questão, e não tenho nada de melhor a oferecer além da reconstrução imaginária de como seria existir sob a forma de um diferente tipo de ser” (SINGER, 2002, p. 117).


2 O ESPECISMO NA PRÁTICA
2.1 ANIMAIS COMO ALIMENTOS


Para Singer, salvo exceções muito específicas, a carne animal é um luxo e não uma necessidade. Como exceção a essa regra, o autor aponta o caso vivido por esquimós, que em um ambiente inóspito dependem deste alimento para sobreviver. Apesar de Singer manter o discurso filosófico, ele utiliza, constantemente, algumas informações científicas para tentar ratificar sua tese:


O peso avassalador do testemunho médico indica que a carne animal não é necessária para a boa saúde ou a longevidade. Além disso, a produção animal nas sociedades industrializadas não constitui uma forma eficaz de produção de alimentos, visto que a maior parte dos animais foi engordada com grãos e outros alimentos que poderíamos ter comido diretamente. (Singer, 2002, p. 72)

Se isso não fosse o suficiente, poderíamos salientar que os métodos industriais de produção de carne submetem os animais a condições que causam sofrimentos extremos durante todo o decorrer das suas vidas. Isso acontece para que o produto chegue por preços acessíveis ao maior número de pessoas. Além disso, “a castração, a separação de mães e filhotes, a separação de rebanhos, as marcas com ferro em brasa, o transporte e, finalmente, os momentos do abate” (SINGER, 2000, p. 74), também são procedimentos empregados para que a carne chegue à mesa da sociedade moderna com um lucro agregado satisfatório aos produtores. A indústria transforma pasto em carne, desconsiderando inteiramente o sofrimento dos animais.

Apesar de vegetariano há algumas décadas, Singer não prega em sua obra um vegetarianismo radical. Para ele, a carne produzida sem sofrimento pode ser consumida: “A menos que possamos estar certos de que foi [produzida sem sofrimento], o princípio da igual consideração de interesses implica que foi errado sacrificar importantes interesses do animal” (SINGER, 2002. p. 75).

2.2 EXPERIÊNCIAS COM ANIMAIS

Outro fenômeno reprovável da nossa sociedade moderna são as experiências científicas que utilizam animais como cobaias, impondo-lhes dor e sofrimentos para que resultados incertos e, muitas vezes, desnecessários cheguem aos seres humanos. Singer cita diversos experimentos, muitos deles com pouco alicerce científico prático, que causam arrepios nos leitores mais sensíveis. Não nos cabe aqui fazer um levantamento minucioso de cada um desses projetos fracassados do fazer científico. No entanto, vamos utilizar a riqueza do argumento filosófico utilitarista de Singer. Para ele, não há problema que um ou mais animais fossem usado para salvar milhares de pessoas. O que Singer coloca, é que um ente não merece ser sacrificado em benefício de outro, que dirá se esse “benefício” for limitado a saber se um determinado tipo de xampu agride o olho de um coelho podendo causar cegueira, como acontece em muitos testes deste tipo até hoje.

Se a igual consideração de interesses for levada em conta, seria necessário questionar os adversários do anti-especismo sobre se eles estariam prontos para fazer as mesmas experiências realizadas em animais com órfãos acéfalos. Se a resposta da comunidade científica for negativa, fica claro que os animais são utilizados sem argumento algum a não ser a discriminação. Com o mínimo de esforço, podemos observar que:


(...) macacos, cães, gatos e até mesmo camundongos e ratos são mais inteligentes, mais conscientes do que se passa com eles, mais sensíveis a dor, etc., do que muitos seres humanos com graves lesões cerebrais, que mal sobrevivem em enfermarias de hospitais e outras instituições (SINGER, 2002, p. 78).

Fica clara que a posição de Singer trata o especismo com a mesma intolerância que o racismo é tratado pela sociedade contemporânea.

2.3 OUTRAS FORMAS DE ESPECISMO

O que se pode dizer da relação entre benefícios para o prazer humano e dor para animais quando um artefato luxuoso é produzido a partir de centenas de chinchilas condenadas, apenas, porque sua pele possui um valor estético? Assim como os casacos de pele, zoológicos, circos, centros de caça esportiva, negócios envolvendo animais de estimação e rodeios também embarcam no argumento de que os interesses menores não podem depender de sacrifícios maiores.


3. ALGUMAS OBJEÇÕES

Para Singer, há um progresso considerável desde 1973, quando ele apresentou a “Libertação animal”. Apesar do crescente movimento que prega o anti-especismo, muitas objeções foram feitas.

No final do capítulo três, o autor discorre sobre essas objeções.

3.1 COMO SABEMOS QUE OS ANIMAIS SENTEM DOR?

A menos que pudéssemos viver a vida de outro ser, jamais poderíamos sentir a dor do outro. Singer exemplifica argumentando que mesmo que uma criança não possa reclamar da dor que sente, ela pode demonstrar. Assim, também, funciona com os animais não humanos, que, apesar de não poderem reclamar de suas dores, têm um comportamento muito parecido com os seres humanos.

Se isso não bastasse, cientificamente, verificamos um sistema nervoso muito parecido em todos os vertebrados. Sobretudo os pássaros e os mamíferos. Como sabemos que nossas dores passam por esse sistema, fica evidente dizer que, sim, os animais, apesar de não humanos, sentem dor.

3.2 OS ANIMAIS COMEM UNS AOS OUTROS; PORQUE, ENTÃO, NÃO DEVERÍAMOS COMÊ-LOS?

Sobre essa objeção, Singer cita Benjamin Franklin, que:


(...) em sua autobiografia, (...) conta que foi vegetariano durante algum tempo,
mas que sua abstinência de carne animal chegou ao fim quando observava alguns amigos preparando-se para fritar um peixe que tinham acabado de pescar. Quando o
peixe foi aberto, descobriu-se que tinha um peixinho no seu estômago. (SINGER, apud. 2002, p. 80)

O raciocínio de Franklin foi bastante óbvio: afinal, se os animais não humanos alimentam-se uns dos outros, há porque não comê-los?

Singer resolve esse problema explicando que a maior parte dos animais que matam para comer “não conseguiria sobreviver de outra forma” (SINGER. 2002, p. 81). Se isso não fosse suficiente, é estranho que os seres humanos, que qualificam o comportamento animal como selvagem e irracional, façam uso desse argumento quando lhes é interessante. Por certo, que a capacidade onisciente dos animais não os permite refletir sobre seus atos, muito menos, sobre as alternativas de sobrevivência que lhes são apresentadas.

Quando esse argumento constrói na natureza instintiva do ser humano um alicerce para seu raciocínio, esquece que a natureza primitiva do homem nada tem a ver com o processo de industrialização em massa da carne. Ainda sobre “ser natural que os seres humanos comam animais”, Singer argumenta que natural e racional são duas coisas muito diferentes:


É, sem dúvida, natural que as mulheres gerem uma criança a cada ano ou dois, da puberdade à menopausa, mas isso não significa que seja errado interferir nesse processo. Precisamos conhecer as leis naturais que nos afetam para podermos avaliar as conseqüências do que fazemos. (SINGER, 2000, p. 82)

4 DIFERENÇAS ENTRE SERES HUMANOS E ANIMAIS

Apesar de Singer já ter mencionado uma relação imediata entre humanos e animais no segundo dos cinco pontos onde ele justifica a ampliação dos direitos morais aos animais (b. os animais possuem capacidades intelectuais semelhantes, ou superiores, a bebês e deficientes mentais), um subtítulo especial é aberto sobre o tema. Antes disso, é importante lembrar que antes de Singer, ou mesmo Bentham, estabelecerem uma discussão ética que tentasse encontrar caminhos para uma postura moral que trouxesse consigo respeito à vida animal, o naturalista britânico Charles Darwin inaugurava, em 1872, logo após fundar o evolucionismo, um caminho importante na comparação entre as vidas de animais humanos e não humanos:


Mesmo o homem não consegue exprimir com sinais externos amor e humildade tão claramente quanto um cachorro, quando, com orelhas caídas, boca aberta, corpo torcido e cauda abanando, entra o amado dono. Também não podemos entender esses movimentos no cachorro como atos de volição ou instintos necessários melhor do que o sorriso e o brilho nos olhos de um homem quando encontra um velho amigo. (DARWIN, 2000, p. 20s)

Singer parte justamente deste ponto. Para ele, a distância insondável entre os seres humanos e os animais não foi questionada durante quase toda a existência da civilização ocidental.

Todavia, depois da descoberta darwiniana de que descendemos de animais irracionais, várias alternativas de vida curta têm-se apresentado para traçar uma linha divisória entre humanos e animais. Uma das primeiras alternativas era que apenas nós, humanos, usamos ferramentas para desempenhar determinadas tarefas. Descobriu-se que alguns chipanzés e mesmo pica-paus também recorrem a esse artifício. Depois, veio a questão da linguagem, novamente, os primatas se mostraram igualmente capazes de aprender a língua dos sinais.

No entanto, mesmo que os animais não estivessem enquadrados nessa situação, não seria isso suficiente para legitimar sua condição moral por esse fato. O fato dos seres não usarem suas próprias ferramentas e não terem uma linguagem específica, não representa nada para desmerecer o fato de que devemos levar em conta seu sofrimento.

Igualmente foi sugerido que nós, seres autônomos e auto-conscientes, teríamos prioridade moral frente a seres que não possuem a noção de tempo e liberdade. No entanto, fazer essa comparação seria o mesmo que, novamente, colocar lado a lado humanos com deficiências mentais e animais, uma vez que o status moral desses seres humanos sem as características normais seria analisado como status de animal, não de humano. Essa parcialidade frente aos membros de nossa espécie é explicada por Singer:


A ética não exige que eliminemos as relações pessoas e as afeições parciais, mas exige que, em nossas ações, levemos em conta as reivindicações morais dos que são afetados por elas, e que o façamos com um certo (sic) grau de independência de nossos sentimentos por eles. (SINGER, 2002, p. 87)

Vale o observar que essa citação, mais uma vez, deixa claro que Singer não pretende desqualificar o ser humano e a relação que temos com seres da mesma espécie. Diferente disso, ele tenta atribuir aos animais o mesmo valor moral que reivindicamos para todos os seres humanos.


5 ÉTICA E RECIPROCIDADE

Em virtude da repercussão desta objeção em específico, Singer abre um subtítulo à parte. Realmente, se levarmos em consideração as outras objeções, esta, especialmente, parece ser a que mais fortemente é alicerçada sobre um conceito filosófico claro e destino. A questão da reciprocidade é envolve diretamente a compreensão daquilo que Singer critica como uma ética contratualista.

Como sabemos, a ética contratualista (também chamada de regra de ouro) compreende a capacidade de relação dos seres conscientes. Assim sendo, apenas mereceria valor moral aquele que tivesse a capacidade de retribuir esse valor, ou seja, ser recíproco.

Como a maiorias dos animais não têm consciência de si, o argumento seria justamente esse: eles não possuem a capacidade de manter com os seres humanos uma relação de reciprocidade. Portanto, seriamos agredidos, sim, por um leão que se sentisse ameaçado com a nossa presença. Mesmo que quiséssemos o bem deste animal.

A conclusão de que os animais merecem considerações éticas, mesmo sem poder retribuir os seres humanos por isso, acontece por vários motivos. Primeiramente, o autor considera que, diferente da maioria dos animais, somos capazes de pensar eticamente. Ou seja, nossa autoconsciência e nossa capacidade de compreensão temporal nos concedem a oportunidade de ultrapassar essas “premissas mundanas” (SINGER, 2002, p. 89).

Aprofundando esse argumento, Singer justifica que, se levássemos em consideração a ética contratual, teríamos que excluir da esfera moral muito mais do que os animais. Mais uma vez, as crianças muito novas, as pessoas com deficiências mentais graves poderiam ser citadas como exemplos, mas, nesse ponto, inclusive as gerações futuras acabam engrossando o nicho de pessoas que não podem ser recíprocas às nossas manifestações de selo moral. Tentamos, em tese, preservar o meio ambiente e não seremos atingidos diretamente pelos benefícios causados pela nossa atitude. Se a solicitação envolvendo a reciprocidade fosse levada em conta, as gerações futuras, que não têm a capacidade de manter relação contratual com os contemporâneos, não deveriam receber valores morais frente a nós. Singer escreve:


De acordo com essa concepção, a principal razão para se celebrar um contrato ético é o interesse pessoal. A menos que um novo elemento universal seja introduzido, um grupo de pessoas não tem motivos para lidar eticamente com outro, desde que seja de seu interesse fazê-lo. (SINGER, 2002, p. 90)

Mais uma vez, o argumento não ultrapassa a questão puramente especista.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabemos que nossa capacidade de compreender a realidade nos obriga a levarmos em consideração os interesses das gerações futuras e do planeta como um todo. Ou existe um outra justificativa para a preocupação com o manejo do lixo nuclear, uma vez que a energia produzida desta forma pode trazer benefícios imensos para a geração que utiliza esse artifício? Certamente, poderíamos aumentar consideravelmente o conforto da população do planeta se utilizássemos energia nuclear. Ainda teríamos a oportunidade de baratear a produção, tornando esse benefício mais acessível, podendo fazer com que ele pudesse chegar a uma parcela maior da população. Mas não fazemos isso desordenadamente porque conhecemos as conseqüências que os resíduos dessa produção poderiam trazer. Se não há nenhuma possibilidade de que essas pessoas possam vir a manter contratos éticos conosco porque deveríamos levar seus interesses em consideração?
Poderíamos encerrar esta questão com apenas uma citação de Singer: “[...] somos capazes de raciocínio, e a razão não é subordinada ao interesse pessoal” (2002, p. 89).


Bibliografia:
SINGER, Peter; Ética Prática. Tradução: Jefferson Luiz Camargo – 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2002.
DARWIN, Charles; A expressão das emoções no homem e nos animais. Tradução: Leon de Souza Lobo Garcia – São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
ÉPOCA, Revista; Entrevista com Peter Singer - Editora Globo, 2007. Acesso em: 03/05/08.

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