sexta-feira, 16 de maio de 2008

A hora em que o sol se põe - parte IV, Final

Ana Zyk

Não saber de sua vida era minha maior proteção contra o amor fervoroso e possessivo que tinha por ele. Foi a maneira que encontrei para continuar sendo sua amante, já que não podia me dar o luxo de ter ciúmes de sua própria esposa, pois sabia que ele não separaria. E esse amor violento só durou dois anos por causa do trato de manter um certo afastamento de nosso mundo lá fora, mas que nos uniu fortemente. Meu amor exagerado não conseguiu suportar a idéia de que ele estava dando prioridade para um filho que teria com sua esposa. E tive que ouvir de sua própria boca que estava me deixando por causa disso.

“Não me deixe, meu amor. Eu vou esquecer disso. Vou esquecer o que você me disse e vamos continuar. Por favor”.

“Infelizmente não dá Rosana. Me perdoe”.

Ele levantou e começou a vestir sua roupa. Mais desespero. Sabia que, se ele saísse não mais voltaria. Mudaria endereço, telefone, emprego, cidade e até de país para não correr o risco de eu procurá-lo.

O abracei pelas costas implorando.

“Não, meu amor. Fique”.

Ele continuou se arrumando sem vacilar. Estava decidido.

No momento que pegou sua camisa para vestir, num impulso de aflição e desespero incontrolável tirei-a de sua mão e a queimei na chama da vela.

“Você ficou louca? Como irei embora sem camisa Rosana?”

“Você não vai embora, amor. Fica comigo. Larga dela. Não me deixa. Não me deixa”

Neste momento já estou tomada pela loucura. Não tenho domínio sobre minhas ações.

Ele coloca o sapato rapidamente e sai do quarto antes que eu queimasse outra coisa na qual impedisse ele de sair. Eu o puxei pelo cós da calça social e ultrapassei pela sua frente empurrando-o de volta para o quarto. Ficamos duelando como dois touros brigando pela posse da fêmea. Ele tentando me tirar de sua frente e poder passar e eu empurrando-o para o quarto, desesperada.

Sua força me venceu. Jogou-me contra a parede da sala de estar fazendo quebrar alguns móveis que estavam no meio do caminho. Não desisti. Não podia deixá-lo partir. Ele foi de encontro a porta que ficava em frente à cozinha. Levantei-me rápido e corri até a cozinha. Em mais um impulso desesperado peguei uma faca em cima da mesa. A mesma que estava usando para cortar a cebola para nosso jantar. E antes que ele pudesse destravar a porta eu saltei aos seus pés passando a faca em suas canelas. Se ele não chegou inteiro ele não vai sair inteiro, pensei. E as canelas foram só as primeiras partes esfaqueadas. Enquanto deu tempo ainda passei a faca afiada nas partes de trás de seu joelho. Aí ele caiu de frente para o chão. Estava assustado. Gritava muito.

Estava dominada. Parecia que a faca tinha tomado vida com seu sangue e estava enfurecida para realizar sua mais nobre função. A de cortar. De talhar. De dividir. E eu fiz tudo isso com seu corpo. O corpo que deu sua alma por inteiro, estava ali dividido por cortes fundos.

Posso garantir que não fiz por ódio. Foi por amor, sim! Só uma mulher apaixonada faria o que fiz. Jamais deixaria ele ir para nunca mais voltar.

Vejo o sol nascer da janela da sala do delegado, que passou a madrugada inteira me interrogando. O sol, que não verei mais com tanta freqüência, me fez lembrar da cor viva do sangue dele em minhas mãos. Ele, que não o verei mais. Ainda podia sentir o cheiro do homem incompleto que entrou ontem lá em meu apartamento, pouco antes do sol se pôr. Incompleto porque deixou um pedaço de si dentro do ventre de outra mulher. E o sol que nasce me fez lembrar que um dia esse pedaço há de nascer e se tornar uma criança igualzinho seu pai. Mas vai se pôr, igualzinho ao dia de ontem.

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