quarta-feira, 7 de maio de 2008

De olho no molho

Everton Maciel, de Pelotas

Demorou, mas saiu. As críticas na internet sobre as centenas de casos dos pilantras que recebem indenizações vitalícias do Estado Brasileiro, em virtude dos petelecos que tomaram lutando contra o Governo Militar foram parar, finalmente, em um jornalão de papel e tinta.

Espero que isso sirva para alguma coisa.

As confusões entre Estado positivo de direito e governos que vão e vêm são freqüentes. Especialmente, nesse país de brincadeira.

Receber indenização pelos passos ideológicos que foram dados no passado é rir da cara do contribuinte. Ditaduras militares tivemos no mundo todo; esculhambação com o dinheiro público, só no Brasil.

Leia o artigo de Janio de Freitas, publicado na Folha de São Paulo.


As várias indenizações
A compensação civilizada das vítimas de torturadores e assassinos, ou dos seus familiares, seria vê-los presos

ESTOU VIVO , para desgosto do Ziraldo. Ainda não pude atender ao desejo exposto por esse velho colega na solenidade que lhe deu uns trocados vitalícios, sob o nome de indenização: "Quero que morram os que criticam. São todos uns X". Não reproduzo a palavra final, por fidelidade ao conceito de que a linguagem do jornalismo não inclui as vulgaridades dos que a usamos. Já que estou vivo, embora jamais o tenha sido tanto quanto o rico Ziraldo, e a discussão das indenizações continua nos jornais, pode ser um assunto para me salvar no domingo.

Está criada muita confusão quanto a anistia e indenização. Indenizações aos que agiram contra a ditadura são, em princípio, injustificáveis. O que altera essa norma é a indecência da impunidade assegurada aos torturadores e assassinos de presos. A compensação civilizada e legítima de suas vítimas, ou familiares de vítimas, seria vê-los presos e condenados pelas leis do regime democrático.

As indenizações foram criadas como aparente reparação para a impunidade irreparável aos criminosos. Adotada, por sua vez, muito mais para atenuar os que aceitaram, incluídas várias vítimas da ditadura, a imoralidade da anistia estendida à autoria de crimes brutais. E criminosos até segundo suas próprias leis, como a Convenção de Genebra e os juramentos de formatura militar.

Contra essas indenizações, o que há a dizer -salvo algum caso de concessão incabível- é que submetem seus beneficiários a outra injustiça: são as menores indenizações, mesmo nos casos dos assassinatos que deixaram famílias condenadas a anos e anos de vida deformada em definitivo, pela pobreza e a conseqüente dificuldade de educação formal dos filhos. A perda de um pai e chefe de família por atividade sindicalista de oposição, por exemplo, está "indenizada" em R$ 100 mil.

Justificadas podem ser, também, as indenizações aos presos e maltratados, com tortura ou não, por deduções erradas dos captores. Caso, por exemplo, do jornalista Luiz Edgard de Andrade, sem militância alguma, nem sei se com algum sentimento oposicionista, mas preso e torturado por telefonar para a casa de um colega ocupada pela polícia. A propósito, vimo-nos quando cheguei a uma prisão do Exército, ainda de terno e gravata como próprio da época, entregue por um colega que, preso, fez entregas a granel. Ao sair, Luiz Edgard escreveu um pequeno texto sobre a experiência de preso inocente, e não se poupou a inclusão de uma frase falaciosa e mal intencionada: "...ao sair, cruzei com Janio de Freitas, elegante como sempre". À parte a hombridade de cada um, presos e torturados inocentes houve muitos, para quem a indenização pode ter sentido reparador, à falta da reparação típica nas democracias.

Diferente de tudo isso, e causa da polêmica sobre as indenizações, são as "reparações" vitalícias, e com generosos atrasados, a jornalistas e alguns outros. Esses, os jornalistas em especial, eram todos adultos, cientes das implicações do que fizessem, e autores de atos deliberados em plena consciência do seu significado e possíveis conseqüências. Indenização de quê e por quê, então? E são as maiores indenizações, algumas, só de atrasados, na ordem do milhão.

Os argumentos e cálculos de várias dessas indenizações chegam ao cômico. Quanto ganharia hoje, se não fosse a ditadura e hoje chegasse a cargo de direção? Logo, calcule-se pelos atuais salários de direção. Mas esses indenizados exerceram várias direções durante a ditadura, mais remunerados do que os salários então vigentes e hoje ganham até mais do que diretores. A revistinha "Pererê", feita pelo Ziraldo, dá outro exemplo repleto de casos semelhantes: quem decidiu fechá-la foi a editora "O Cruzeiro", não a ditadura. Só jornalistas torturados ou mortos por militância estão, para efeito das indenizações, em situação equivalente à das vítimas dos criminosos da repressão.

Para o bem de nós todos, só não sei se também o de Ziraldo, Millôr continua vivo: "Pensei que essas pessoas estavam lutando contra a ditadura, mas estavam fazendo investimento".

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