quarta-feira, 2 de abril de 2008

Jornalista é elite?

Gabriela Willig

O jornalista Marcelo Träsel faz uma crítica ao texto Em Defesa da Elite, de David Coimbra, publicado no Capeta há alguns dias. Pra quem não sabe (porque até pouco tempo eu também não sabia) Marcelo atua em vários sites jornalísticos da web inclusive neste blog. Ele ainda é mestre de Comunicação e Informação pela UFRGS e professor da PUCRS. Vamos ao texto...



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jornalistas x blogueiros, episódio 347

Por Marcelo Träsel

[...] "o erro está sempre de tocaia e ataca quando a gente está relaxado, quando a gente acha que aquilo que está fazendo é fácil e simples. Por isso, como ouvinte, telespectador e leitor, como consumidor de informação, desprezo o excesso de interatividade. Quando ligo o rádio e ouço "esse programa é feito pelo ouvinte", mudo de estação. Não quero ouvir algo que é feito pelo ouvinte, nem ler o que o leitor escreve. Quero o trabalho do especialista, do jornalista de comprovadas experiência e competência. Quero consumir a elite, não a mediocridade. Até democracia demais cansa". (David Coimbra)

David Coimbra não gosta da invasão de leigos no jornalismo. Prevejo que muitos blogueiros vão denunciar o colunista de Zero Hora como tacanho, conservador e corporativista, mas estarão errados. Em primeiro lugar, Coimbra tem razão. O público raramente tem o conhecimento e, principalmente, os recursos à disposição dos repórteres profissionais para coletar e publicar informação. Em segundo lugar, as pessoas simplesmente têm o direito de não confiar no público que faz o webjornalismo participativo, ou de não gostar do resultado em termos estéticos e técnicos.

Existe muita porcaria sendo publicada Web afora em espaços destinados à participação da "ex-audiência". É muito raro encontrar um blog realmente bom. Mais raro ainda encontrar verdadeiros esforços de reportagem em sites como
Wikinews ou Kuro5hin. Já o Digg se resume, no mais das vezes, a um repositório de todo tipo de lista ou tutorial. Nós que fazemos o webjornalismo participativo acontecer precisamos admitir que estamos deixando a desejar em muitos aspectos.

Isso dito, não dá para entender como Coimbra critica a participação do público quando em seu próprio jornal existe um dos melhores exemplos de webjornalismo participativo: a seção
leitor-repórter. Trata-se de uma combinação excelente entre os "milhares de globos oculares" da audiência e a técnica jornalística. Os repórteres da RBS não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, ainda mais com as reduções de força de trabalho pelas quais as redações passaram nas últimas décadas. O público, então, se encarrega de publicar pequenas notas a respeito de problemas para os quais David Coimbra e seus colegas jamais teriam tempo ou vontade de dar atenção. A equipe da Zerohora.com, por sua vez, usa seu conhecimento e acesso a fontes para dar voz a quem tenha sido implicado em alguma informação enviada pelo público. A audiência começa a fazer o serviço do pauteiro, doando seu próprio tempo à RBS, mas ganha em compensação uma cobertura melhor dos problemas que realmente lhe interessam.

Não é demais lembrar também que em geral os programas "feitos por ouvintes" nas grandes empresas de mídia são editados por jornalistas qualificados. Logo, se o resultado é ruim, a elite também precisa ser responsabilizada. É assim que funciona na RBS, empresa onde Coimbra trabalha. Inclusive, o próprio jornalista citado como exemplo de competência, Túlio Millman, usa fotos de telespectadores na vinheta do Teledomingo, e há também um quadro chamado "Meu mundo em um minuto", para o qual as pessoas são convidadas a enviar histórias. Millman está listado apenas como âncora do programa, mas sua participação implica em uma aceitação de que a audiência vai participar.

Coimbra não chega a afirmar isso, mas em geral quem critica a participação do público tende a achar que a mídia é um jogo de soma zero. Isto é, que é uma questão de eles ou nós, um ou outro, jornalistas profissionais ou "ex-audiência". A questão é que, com a televisão a cabo e a Web, a esfera midiática deixou de ser um latifúndio com escassez de espaço, onde realmente um tirava o lugar do outro, e passou a ser um espaço praticamente infinito. Ou seja, não é mais necessário barrar o material medíocre, pode-se publicá-lo e deixar à disposição de alguém que se interesse. E sempre há quem se interesse por qualquer coisa.

Ao ler o texto de Coimbra, fica-se com a suspeita de que ele não conhece direito o assunto do qual está pretendendo falar. Se tivesse se dado o trabalho de investigar a Web -- ou mesmo o próprio site do jornal em que trabalha --, poderia perceber que existe muita "elite" escrevendo em blogs, fóruns, webjornais participativos e quejandos. Um dos primeiros blogueiros do mundo é para além de 1337:
Dave Winer, desenvolvedor de grande parte dos programas que usamos hoje para criar mídia na Web. Há alguém mais elite no Brasil do que o blogueiro Alexandre Soares Silva? Escreve melhor do que um batalhão de colunistas. Algum jornalista explicou de maneira mais simples a Web 2.0 do que o antropólogo responsável por esse vídeo? Os próprios veículos de webjornalismo participativo que critiquei acima volta e meia publicam matérias muito boas. Isso para não citar todos os fóruns em que especialistas regularmente dão informações técnicas de alta qualidade sobre suas áreas de atuação, de graça, para quem quiser saber.

O público participante erra, e muito. Porém, jornalistas profissionais também erram. E muito -- que o diga o
Luís Nassif, inquestionável membro da elite, que matou Hélio Gama em seu blog semana passada. E vários deles têm um texto nada menos do que tenebroso. É difícil encontrar um cientista ou técnico em qualquer assunto que tenha sido entrevistado e considerado boa a matéria resultante. Sempre apontam erros crassos de compreensão por parte dos repórteres -- se não acredita, basta ver a seção media do blog Bad Science.

Antes da Web e da mídia social, webjornalismo participativo ou como queiram chamar, os verdadeiros detentores do conhecimento dependiam da boa vontade dos jornalistas para se comunicar com o público. Hoje, tudo o que os separa do público é um pouco de boa vontade desse público em garimpar a Web. Tarefa que nem sempre a elite da qual Coimbra faz parte desempenha corretamente, apesar de receber salário para isso.



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Aliás, não é contraditório que um cara que diz que "qualquer um pode ser jornalista", afirme linhas abaixo que só presta aquilo que é escrito por "especialistas (...) jornalistas de comprovadas experiência e competência"? Opinem! O blog já teve 2 mil acessos mas eu ainda estou me sentindo só!

2 comentários:

Anônimo disse...

O sr. Marcelo comente um erro fatal: misturar a posição do grupo RBS com a visão de um articulista. A pluralidade de opiniões pode ser facilmente usada como argumento contrário, num caso desses.
Outro erro: aquilo que é entendido como "especialista" pode ser algo muito amplo. Para mim, especialista é quem tem uma espacialização (como sempre sugeri, em coro com outros jornalistas): um curso de pós-graduação que contemple a formação de jornalistas após uma formação acadêmica.
Para o David, trata-se da experiência adquirida na redação.
E para os graduados (ou “jornalista profissionais”, como insistem inutilmente os sindicatos), o especialista parece ser alguém cheirando a leite que desembarca do céu com um diploma na mão.
Por certo que a graduação de jornalismo cumpre um papel importante. Mas, até agora, ninguém possui legitimidade teórica para defender qualquer tipo de reserva de mercado.

raquel disse...

Oi!

Uma pequena correção só... o Träsel é professor da PUC e já é mestre. :)

De qualquer modo, interessantíssima a discussão, tb estou acompanhando por lá