Gabriela Willig
Acabei de terminar de ler o livro Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Considerado um dos grandes clássicos da literatura universal, o final da obra fez eu ter que segurar as lágrimas para não dar vexame num ônibus lotado de meio-dia. Sobre o livro, só posso dizer que adorei. Primeiro pela forma realista da narrativa que nem parece ter sido escrita no século XIX. Dizem que foi o primeiro livro que rompeu com as firulas e os fru-frus do romantismo – que estava em moda na época – e inaugurou um texto curto, seco, grosso e, diga-se de passagem, com ares de moderno já que o livro começa com um narrador em primeira pessoa e de repente pula para o narrador onisciente. Flaubert não explica quem era aquele narrador que detalhou os primeiros dias de aula de Charles Bovary (o marido da madame). Mas pra quê explicar? A dúvida também faz parte da obra.
Queria aproveitar o gancho para falar de outro assunto. O livro de capa rosa que eu acabei de terminar de ler foi comprado por R$ 2,50 num sebo do Bairro da Liberdade, no ano passado. Só quando eu estava a algumas centenas de quilômetros de São Paulo que eu vi que o livro tinha um carimbo da biblioteca da Escola São Vicente de Paulo. Ou seja, algum espertinho retirou o livro, nunca mais devolveu e depois acabou vendendo pra um sebo.
Um caso semelhante causou polêmica em Passo Fundo no ano passado. O presidente da academia passo-fundense de Letras, Paulo Monteiro, comprou num sebo da cidade obras que pertenciam a Biblioteca Municipal Arno Viuniski. E o problema é que não foi qualquer livro, foram obras raras, como a primeira edição de O Naturalista no Rio Amazonas de Henry Walter Bates, que tem prefácio escrito por Charles Darwin e cataloga espécies da fauna e flora da América do Sul que eram desconhecidas até a década de 20. O Naturalista e outras cinco obras raras, que segundo o proprietário do sebo tinham sido doadas por funcionários da própria biblioteca, estavam a venda por R$ 1.
A situação fez com que o Ministério Público Estadual instaurasse uma ação civil pública exigindo uma série de melhorias na biblioteca, que além do desaparecimento de livros tem outros problemas como fiação elétrica antiga, vazamentos nas paredes, falta de bibliotecários, número insuficiente de estantes etc. A Justiça concedeu uma liminar exigindo as mudanças. O município apresentou um projeto para alocar a biblioteca em um outro local, mas os meses passaram e nada aconteceu. No final do ano a Prefeitura argumentou que caso investisse na biblioteca faltariam recursos para obras consideradas mais importantes e urgentes, como saúde e moradia, e o projeto foi abandonado.
Desde então a situação da biblioteca continua a mesma. Os livros mais antigos foram levados para a Biblioteca da Universidade de Passo Fundo para serem restaurados e colocados em um local longe de infiltrações e fungos. Porém, a coleção está incompleta. Vários livros sumiram misteriosamente e não se sabe se estão em sebos ou se viraram papel higiênico, já que uma leva foi vendida para papeleiros. Entre esses, podem estar as obras da Patrologia Grega e Latina, editadas no século XIX e que trazem os textos dos primeiros filósofos ocidentais como Santo Agostinho, Tomás Aquino e Santo Acelmo.
E isso que Passo Fundo é a Capital Nacional da Literatura...
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