sexta-feira, 28 de março de 2008

AMOU - Parte I

AMOU, o novo conto de Ana Zyk será publicado às sextas-feiras, aqui no blog. Esse é o primeiro de três capítulos. Na sessão "contos", à direita na página, o leitor pode acompanhar as outras publicações inéditas de contos Do Capeta. Prendam o fôlego e divirtam-se.

Ana Zyk


Entrei em casa com a bolsa pendurada em meu ombro direito e não a joguei no sofá como de costume. Chamei Rogério para o quarto dizendo-lhe que precisava conversar. Girei a chave da porta, retirei da fechadura e guardei na bolsa. Sentei na cama com ela em meu colo.

***

Olhava ele se olhar no espelho. Pensava no que ele podia estar pensando naquele momento. Perdeu seus pensamentos sobre si mesmo. Eu o mirava sem desviar a atenção. A notícia da separação foi um baque para Rogério. Ele continuava de pé apoiando seus braços na pentiadeira enquanto refletia em frente ao espelho.

“Diga alguma coisa”, falei, depois de alguns minutos esperando um movimento de seu corpo ou uma palavra sequer. Nem lágrimas, nem qualquer reação que não a de estatizar.

Calei-me e esperei.

“E o nosso filho?”, perguntou depois de um tempo, virando-se para mim.
“Decidi criá-lo sem você”, disse-lhe.

“Como assim? Estamos há dez anos juntos, de repente você engravida e resolve separar-se de mim? Por acaso, Marina, este filho não é meu?”

Gelei. Sabia que este era o momento de contar tudo. E a verdade tinha que ser dita.

“Rogério. Sente-se aqui. Precisamos resolver esta situação pacificamente. Sem brigas. Quero contar-lhe tudo, é preciso que você entenda e... me perdoe”.

Ele me olhou fundo novamente. Tive que lhe puxar para se sentar ao meu lado na cama, porque mais uma vez ficou sem reação.

“Rogério, estamos juntos há dez anos, eu sei. Nosso relacionamento foi intenso, foi bom. Eu sempre te amei muito. Mas há cinco anos aconteceu algo que mudou minha vida”.

Ele mal respirava e seu coração parecia explodir. Podia conferir isso nas veias de seu pescoço, que quando estava nervoso, ficavam cheias, bombadas e podia se ver o pulsar de seu coração. Continuei:

“Há cinco anos entrei para o Grupo Ultra Feminista Ortodoxo, o Gufo. Entrei, a princípio, porque sabia que o Gufo desenvolve projetos de atividades secretas contra a violência doméstica. É uma parceria com o Abrigo Municipal da Mulher que transfere as mulheres com os problemas mais sérios para o grupo. Fazemos uma verdadeira revolução para que elas não mais aceitassem passivamente apanhar de seus maridos. Eu entrei após um convite de uma colega de trabalho, que me falou deste projeto. E eu, você sabe, Rô, sempre me sensibilizei muito com estas histórias de mulheres apanhando em casa. Mas é claro que o Gufo não é apenas isto. Sempre houve muitas ideologias fortes. A luta pela inserção feminina em todos os âmbitos da sociedade, tanto civil quanto sexual e política, e a quebra de preconceitos e tabus, pode ter certeza que o Gufo está envolvido. E as mulheres lá são muito unidas. Porém o grupo é ultra-secreto, sempre fomos proibidas de contar para os homens de sua existência e sua atuação. Só estou lhe falando porque é muito importante para que você me entenda e me perdoe”.

Minhas mãos suavam. Eu as esfregava em minhas calças tentando secá-las e disfarçar meu nervosismo. Estatizado, ele continuava me olhando. Sua veia pulsando no pescoço me incomodava.

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