* Ricardo Bonfanti
O Everton não fala, ele grita. E quando ele grita mesmo... Eu o vi falando alto, digamos assim, com o cara da técnica, em pleno estúdio, e pensei que se por algum acaso aquele som estivesse sendo captado pelos aparelhos de rádio AM de Santa Rosa, bem, no segundo seguinte estariam todos danificados e seus proprietários levando-os afoitos para a assistência técnica. Estava tudo em off, pelo bem geral. Só eu testemunhei aquela torrente de decibéis humanos, algo bestial. Agora o Everton vai esbravejar por outras plagas. O que é uma pena - para nós, que ficaremos mais um pouco, não para ele.
O Everton me lembra um colega chato de faculdade, mas só um pouquinho. É que sempre que converso com o Everton me lembro do tempo de faculdade, mesa de bar, discursos inflamados sobre a objetividade jornalística, o status quo (status cu, diria outro amigo), livros manchados de café. E poesias em guardanapo. Na verdade, o Everton me lembra mesmo é um Ricardo entesado pelo tal do jornalismo como guri novo folheando a Sexy. Pois o Everton é o autêntico jornalista, daqueles de carteirinha, que defenderia o livre exercício da profissão até sob tortura do Bope. Fala bem, escreve bem, lê até bula de remédio, tem faro, é preocupado com as coisas preocupantes da cidade e do mundo. Mas faz tempo que eu venho advertindo: "faça Comunicação, faça Comunicação..."
Sim, porque o Everton cursa Filosofia. E quando o Everton se junta com o Juca e mais um outro gordinho amigo deles, ficam falando sobre o super-homem de Nietzsche. Porque isso e porque aquilo. E a impressão que se tem é que o Nietzsche já sacara tudo havia décadas. O Everton é bem fã de Nietzsche. Eu, como não entendo muito desses assuntos elevados, fico só ouvindo, e fazendo uma ou outra pergunta, especialmente quando o papo resvala em Schopenhauer, que foi um cara meio pessimista, o filósofo da vontade e da dor, pelo que aprendi na faculdade.
Por falar nisso, tomar porre com o Everton pode ser das coisas mais deprimentes que um ser periga experimentar nesta vida já cheia de agruras. Chega uma certa hora, já com o sol quase despontando pras bandas de Cruzeiro, e ele começa a chorar. Porque isso e porque aquilo. Pelo menos foi assim numa feita. Naquele dia parece que o Everton tinha brigado com a namorada, a Marcela, e, sentimental que é, ficou abalado. O Everton deve ser do tipo de cara que gosta de discutir relacionamento. Ou não.
O Everton tem nome de time de futebol inglês. E talvez ele diga isso sempre que é apresentado a alguém, como fez na noite gelada em que nos conhecemos formalmente. O Everton vem com essa história do homônimo bretão porque não quer ser chamado de Everson, de Everlon, de Even flow ou qualquer coisa parecida. O Everton gosta de ser chamado de, óbvio, Everton. Ele também gosta de castores escancarados. Sim, a maioria de nós gosta, mas o Everton parece adorá-los tanto quanto o Michael Douglas.
O Everton é um capeta quando escreve no blog verdinho. Desce a lenha em tudo e em todos, denuncia, critica, dá nome aos bois, localiza os potreiros, essas coisas. O Everton faz no blog tudo o que, provavelmente, nunca conseguirá fazer em qualquer veículo de comunicação. Coisas da vida, diria nosso mestre Vonnegut. O Everton escreve no Blog do Capeta. Ele também gosta de falar frases em francês.
O Everton costuma descansar o cigarro na orelha direita (e sempre na direita, o que não deve significar qualquer tendência ideológica) antes de fumar, e é sempre um Hollywood mentolado em maço, invariavelmente acendido com um palito de fósforo. Não lembro de ter visto o Everton ter acendido seus oliús com isqueiro. O Everton tem um óculos tipo John Lennon, tem uma tatuagem do disco V (o de Metal contra as Nuvens), mas esses dias ele ganhou as mp3s do Vanguart e conheceu pela TV a Mallu Magalhães. O Everton ainda vai virar um cara indie.
E por falar em V, o Everton poderia ser Eduardo, ou João de Santo Cristo, ou Maurício, ou Daniel na cova dos leões, com aquele gosto amargo ficando na boca por mais tempo. O Everton me emprestou O Trovador Solitário. Tem um trecho no livro que cita o William Bonner - fosse o Everton, teria destinado todo o Jornal Nacional. O Everton só não gostou do especial que fizeram na TV. O Everton é um cara muito crítico. Ele ainda acredita que urbana legio omnia vincit.
O Everton é um ótimo amigo - e isso é o melhor de tudo que há a ser dito sobre o Everton. Ele gosta de pagar Coca-cola nos finais de tarde. Numa madrugada o Everton comprou de uma só tacada umas 20 long necks de Bohemia. As cervejas estavam geladas. Mas esta é só uma pequena amostra do arsenal de generosidades do Everton. Ele é capaz de outras, bem mais significativas. E é por tudo isso que vai deixar saudade. Coisas da vida.
P.S.: Everton Maciel, radialista da Noroeste, está se transferindo para Pelotas, onde concluirá a faculdade de Filosofia na Ufpel.
* Ricardo Bonfanti é jornalista free lancer, formado pela UFSM, com atuação em vários veículos de comunicação da Região Noroeste e fora do Estado
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