quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

O Jogo de Coimbra (e do velho Salomão)

Everton Maciel

Fiquei sabendo do novo livro do David Coimbra, “Jogo de Damas” (L&PM, R$28), e li. Nada fabuloso. Só mais um livro. Bons argumentos históricos, a ironia fina, a escrita do Coimbra, que todos conhecem: fluente e agradável; mas nada surpreendente. Claro que o livro ficou famoso com o apóio a RBS e da 53º Feira do Livro de Porto Alegre. Logo, logo estará na lista dos mais vendidos de alguma revista famosa. Bééé! Ponto contra meu time, que vive fugindo das listas de mais vendidos.

Confesso que gostei mais de “Canibais” (L&PM, 2004; R$15). Coisa de repórter, já que Coimbra fez a exibição de uma grande reportagem.

Em “Jogo de Damas”, o autor-cronista e, agora, vítima dessa resenha, dedica-se a uma tese: as mulheres mandam nas coisas. Em tudo. Nós, famigerados varões, sabíamos das coisas antes das mulheres terem inventado a civilização. Bingo! As mulheres inventaram a civilização! Desde então, segundo David, o jogo é delas. Daí o nome do livro, “Jogo de Damas”.

Se você quer saber como as mulheres, supostamente, inventaram a civilização, leia o livro. Não tenho paciência para carregar leitor folgado no colo.

Como o livro não é nenhuma tese científica, Davi só tem seu talento de cronista urbano para corroborar as especulações sobre o mundo feminino. Contagia, mas não empolga. Admito: nada melhor do que um cronista urbano para falar sobre a civilização.

Segundo as orelhas do livro, as 169 páginas são a união entre diversão e erudição. A definição é boa, mas eu simplificaria: trata-se de um “resumão”. Coimbra faz uma exposição sobre o básico – e esse básico é beeeem básico –, aquilo que as pessoas deveriam saber, no momento em que optaram por andar nas ruas e não morar em cavernas. Sabe aquela conversa de pastelaria? É isso. O cervejeiro intelectual. Todos devemos ter uma noção sobre Espinosa, saber quem foi Nietzsche, não pensar que a Idade das Trevas tinhas esse nome pela falta de iluminação elétrica e outros quetais.

Outra coisa: quem sabe esteja aí uma boa divulgação para os textos originais dos filósofos. Pode ser, mas acho mais difícil. Algumas pessoas se esforçam. Mas, muitas vezes, falta um alicerce básico – e esse básico já não é tão básico assim – para compreender obras, muitas vezes, antigas, longas e, sempre, desagradáveis à leitura das pessoas acostumadas com Augusto Curi e outros pseudointelectuais das escolas ecléticas.

Já escrevi sobre os ecléticos em outro texto. Deixas de ser preguiçoso. Se você não sabe o que é um eclético, procure um livro de história da filosofia ou volte alguns textos neste blog.

Buenas, mas como dizia, são poucos os que têm saco para a “Crítica da Razão Pura”, de Kant. Alguém precisa perguntar para as pessoas: “como podemos ter conhecimentos sintéticos a priori?” Davi fez isso. (Olha, olha... vais pesquisar! Não me desapontas!)

David fez algo importante em seu livro: conseguiu aquilo que os acadêmicos não conseguem, seja por incompetência, arrogância, desinteresse ou por falta de divulgação: elogiar o conhecimento filosófico e divulgar um produto em extinção, o pensamento. Sim – Extra! Extra! Revelação do novo milênio: as pessoas pensam, mesmo não sabendo o que é pensar! Ou não sabendo quem foi Kant o inventor do “pensamento” moderno!

É isso que nos separa dos macacos: pensamos. O mais trágico: SÓ isso nos separa dos macacos! Nada mais.

Irvin Yalom fez algo semelhante com “Quando Nietzsche Chorou” (Ediouro; R$49,90), mas é bom ter um autor prata da casa ajudando nesse processo longo e nada simpático.

Coimbra conseguiu ser simpático. Yalon fracassou nisso.

(Stop!)

Hora da minha sessão “ó, mundo cruel que não se importa com a intelectualidade”: não preciso dizer que os cursos de filosofia continuarão sem quorum e fechando suas portas universidades-mercantis pelo Brasil e pelo Mundo. Curioso isso... como pode? Todo mundo compra Nietzsche. “Assim Falou Zaratustra” está na prateleira dos mais vendidos há muitos anos.

Só não está nas listas dos mais vendidos, porque a lista dos mais vendidos não é a lista dos mais vendidos. É a lista dos que mais querem que você compre.

Mas isso é outra conversa.

Todo mundo que lê tem em casa, nem que seja para enfeitar a estante, Nietzsche. Mas, independente da leitura ou não, ninguém quer ir à faculdade estudar os grandes nomes da filosofia.

No esforço para ser simpático, penso que as pessoas vêem a filosofia como uma guirlanda de natal, um enfeite. Será? Ou bati a cabeça com mais força no berço do que minha mãe conta ou o mundo continua girando e parei em algum lugar no século 18.

Sugestão: vá a universidade, estude filosofia e só depois pense que está começando a compreender os clássicos. Adianto: a compreensão consiste na ampliação da capacidade de admitir a incompreensão.

(Fim da sessão “choro de estudante frustrado”)

As mulheres, também, vão gostar do livro de Coimbra. Aliás, já estão gostando: falei com uma que adorou. Ela está na crise da mulher de trinta. Não existe crise do homem de trinta. Mas filosofia faz bem para as mulheres na crise dos trinta.
Mais um assunto para outro texto.

Enfim, nossa amiga na crise dos trinta queria saber várias coisas sobre os filósofos citados no livro do Coimbra. Chique, né?

Não pude ajudar muito, mas gostei de ver o entusiasmo pela filosofia rebrotando na praça.
É claro que o que mais infla o ego do sexo oposto é a teoria sobre a superioridade feminina, altamente latente em “Jogo de Damas”. Sobre isso, só posso usar o aforismo do velho Salomão, que vivia brigando com sua ainda mais velha mulher: “Yo non podo hacer nada, ellas tienen lo poderío de negociación en lo medio de las piernas”.

O Salomão foi O Cara! O David é o cara!Outra hora, contarei sobre o velho Salomão da rua Inhacorá, perto do frigorífico. Mais, também, precisa ser escrito sobre as mulheres na crise dos trinta.

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