quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Relatos de mais uma releitura

Everton Maciel

Dando seqüência a nossa série: “como fazer um escritor se tornar consagrado num blog fuleiro” discorreremos sobre um livro escrito por um colombiano que jamais faria sucesso se não fosse o Blog do Capeta: Relatos de um Náufrago, de Gabriel García Márquez.

O livro editado no Brasil pela Record fora publicado originalmente nas páginas do jornal El Espectador, onde GGM trabalhara até antes de completar 30 anos. A tenra idade não impediu que o nosso escritor favorito pegasse uma notícia velha e a fizesse vender mais jornais na Colômbia que bilhetes da Mega Sena no Brasil.

O personagem da história é Luís Alexandre Velasco, um marinheiro que ficou 10 dias a deriva entre Estados Unidos e Colômbia. Depois de ter sobrevivido à aventura, Luís ganhou muito dinheiro com sua história. Ficou famoso, virou garoto propaganda de muitos produtos e se transformou num herói nacional. O cara ficou tão famoso quanto o ganhador do primeiro Big Brother Brasil. Lembra-se dele? Pois é, tanto lá como aqui, esses fenômenos desaparecem com a mesma velocidade com que surgem. Então, desferindo uma última cartada para tentar ganhar alguns pesos, o herói decadente procurou El Espectador para vender sua história. Segundo o relato do próprio GGM, Velasco havia sido recebido “como aquilo que verdadeiramente era: uma notícia velha”. O publico já sabia tudo sobre o náufrago e o acidente. Ele participara de programas de TV, relatou sua história nas rádios. Tudo em troca de alguns cobres.

Enquanto isso, a luta nos jornais colombianos para cobrir os fatos da sociedade achatada pela ditadura do general Gustavo Rojas Pinilla era diária. A censura exigia malabarismo nas editorias dos periódicos colombianos que se desdobravam em busca de assuntos que permanecessem longe das questões políticas, podendo comprometer toda uma tiragem. Repórteres, redatores e editores poderiam acabar olhando os milicos recolherem os jornais nas bancas e mandando todo mundo dar explicações na delegacia por terem publicado uma gafe de concordância gramatical de algum figurão ligado à ditadura.

Com a história do acidente assinada pelo próprio náufrago, El Escpectador poderia não ter um grande artigo, mas tinha GGM, um redator disposto a emprestar seu talento a um idiota. O jovem repórter ouviu o relato do marinheiro e escreveu um texto em primeira pessoa, que seria publicado numa série de 14 edições do diário. Os leitores limpavam as bancas e faziam filas para comprar as edições anteriores de Relatos de um Náufrago. Para finalizar, foi encartado um suplemento especial com fotos mostrando os colegas do sobrevivente e o texto na íntegra.

Jornalisticamente, esta foi à prova de que um texto bem escrito vale mais que mil “furos”. O resultado foi uma obra prima da literatura latino-americana. Se não bastasse, o texto polido de GGM transformou Luís Alexandre Velasco no primeiro literato semialfabetizado da história.

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