segunda-feira, 7 de maio de 2007

Blog em pauta

Entrevista: Ricardo Noblat

“O jornal está condenado”

O jornalista Ricardo Noblat destacou-se transformando o Correio Braziliense, até então um diário chapa-branca, em um dos mais conceituados jornais do Brasil. Numa redação movimentada pela palavra chave “reportagem”, Noblat e sua equipe reformaram não só o sistema editorial do Correio, mas foram usados de referência por periódicos de todo país. Arranjo gráfico moderno, textos de qualidade e regras editoriais rígidas para os profissionais foram outras armas de Noblat. Depois de deixar suas pegadas nas principais publicações da imprensa brasileira, ele assistiu-se em uma sinuca de bico, quando deixou a redação do Correio por problemas políticos envolvendo o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. Quem perdeu a briga foi o jornalismo de qualidade.
Noblat nunca mais abandonou a Capital Federal. Depois de escrever dois livros de irrefutável qualidade, “A arte de escrever um jornal diário” e “O que é ser jornalista”, o pernambucano dedicou-se a uma nova modalidade de comunicação, o blog.
Sua técnica, outra vez, é usada como referência para jornalistas de todo Brasil.

Everton Maciel

Reportagem: Quando o senhor notou que o blog poderia se tornar uma ferramenta importante para o jornalismo brasileiro?

Ricardo Noblat – No começo de 2004... nunca me passou pela cabeça fazer um blog. Eu estava fazendo uma página política aos domingos no jornal carioca O Dia. E as informações apuradas no início da semana envelheciam. Resultado: as perdia. Foi quando um colega do jornal, o André Falcão, disse que eu deveria fazer um blog. E, na época, nunca havia acessado um blog na minha vida. Até brinquei com o André: “mas vem cá, blog não é diário de adolescente”. E era, basicamente, diário de adolescente na internet. Ele argumentou que nos Estados Unidos estavam aparecendo os primeiros jornalistas que usavam blogs para repassar informações. Disse-me que a linguagem é muito mais livre, com liberdade para misturar informação com opinião e análises mais apuradas... então, ele desenhou o blog – que era muito mais simples do que é hoje – e eu comecei a despejar, ali, o que eu não podia aproveitar na edição dominical do jornal O Dia. Depois essa página que eu fazia acabou. Mas eu continuei fazendo blog, mesmo que sem muita fé no que estava fazendo. Aos poucos a audiência foi crescendo e hoje se consolidou.

Reportagem: Como o senhor sente a repercussão desse trabalho, principalmente na área política sua principal fonte de pesquisa?

RN – Assim como eu não sabia o que era um blog em 2004, os políticos também não sabiam. E o que popularizou o blog foi a cobertura que ele fez da crise do mensalão, no segundo semestre de 2005. Foi feita toda uma cobertura em tempo real da crise com as sessões das CPIs. Daí o blog passou a servir de referência. Hoje é uma coisa absolutamente comum.
O meu foi o primeiro blog de notícias políticas feitas no Brasil. Hoje, não. Tu tens blogs em todos os lugares e para tudo. E eu acho muito satisfatório, porque é um novo meio de comunicação e que se vale de uma série de vantagens: simplicidade, instataneidade, velocidade e, principalmente, interatividade. Os leitores podem entrar no blog na hora que quiserem e postar seus comentários às notas que estão sendo publicadas naquele momento. Isso nenhum outro meio de comunicação oferece.

Reportagem: O senhor vinha reclamando freqüentemente da sua situação financeira como blogueiro. Brincava, inclusive, dizendo que quem patrocinava seu trabalho era sua esposa... algo mudou nos últimos meses, agora que está servindo de conteúdo ao site do jornal O Globo?

RN – Veja: trabalhei fazendo blog, sem ganhar absolutamente um tostão, entre março de 2004 e março de 2005. Na época, o blog estava hospedado no iG, que é um grande portal... quando vi que a audiência do blog estava bastante grande, eu fui ao iG e disse: “Olha, ou vocês fazem um contrato e começam a me pagar ou vou para um outro provedor qualquer... porque trabalhar de graça não dá mais”. Daí, se fez um contrato. Seguramente, fui o primeiro blogueiro remunerado nesse país. Depois disso o blog se mudou para o portal do jornal Estado de São Paulo e, claro, também mediante a contrato, pagamento... e desde janeiro está hospedado no portal do O Globo online.
Dá pra viver bem e confortavelmente às custas do blog. Mas lhe diria que, no Brasil, você não tem mais do que três ou quatro blogueiros que ganham para fazer seus blogs e que são razoavelmente bem remunerados. Não é um fenômeno típico daqui, apenas, não: nos Estados Unidos, você não tem mais que 15 ou 20 blogueiros vivendo dos seus blogs...

Reportagem: Entre os blogueiros mais famosos do Brasil, o senhor se destaca como um recordista de atualizações diárias. O número de comentários também é recorde. É esse o principal diferencial do jornalismo feito na internet? Claro que só isso não basta...

RN – Claro que não. Mas esse espaço permanente de debates é uma marca muito particular dos blogs. E, sobretudo, de um debate livre, democrático, plural – pelo menos nos blogs que eu costumo acessar. Mas não basta, para que algo seja chamado blog, que ali se possa encontrar informações e comentários: é indispensável que o blogueiro interaja com os leitores, que ele não só assimile o que os leitores comentam, mas que ele dialogue com o público.

Reportagem: Mas não pode se tornar um chat... o que, às vezes, acontece...

RN – Acaba sendo inevitável um pouco isso – desde que você não se desvie dos assuntos tratados no blog. Não pode virar uma sala de bate-papo sobre temas que não tenham a ver com o nicho que ocupa.

Reportagem: Apoiado no fenômeno da internet, o jornalista americano Robert Cauthorn sentenciou a morte dos jornais impressos... e para o senhor, qual é a expectativa para os próximos anos?

RN – Eu acho que o jornal impresso, pelo menos no seu modelo atual, está condenado a ter, talvez, uma sobrevida longa – em alguns lugares –, mais curta – noutros –, mas ele está condenado. Porque, primeiro, o jornal impresso custa muito. É tinta, papel, distribuição... depois: a internet é muito mais instantânea. Os jornais não podem mais pensar que eles ainda devem se comportar como se fossem os primeiros a dar as últimas informações. A internet acabou com esse privilégio dos jornais. E as editorias teimam em continuar fazendo como se a internet não existisse. No máximo: aqui ou acolá, alguns jornais adaptam-se a existência dela.
Cada vez que morre uma pessoa idosa é um leitor de jornal que se vai... cada vez que nasce uma criança é um consumidor a mais para a internet. Isso vai matar o jornal, em médio ou em longo prazo. Eles se tornaram obsoletos. É muito difícil você encontrar nos jornais o que você não sabe desde o dia anterior pela rádio, pela televisão ou pela internet. E eles teimam em não mudar radicalmente sua proposta de conteúdo!

Reportagem: O senhor argumentou várias vezes que reportagens de qualidade são essenciais o jornalismo. Os veículos impressos e eletrônicos do Brasil como vêm se comportando nesse quesito tão importante do trabalho jornalístico?

RN –
Vem se comportando mal! Aposta-se cada vez menos na reportagem... e a reportagem que faz diferença, porque ela pode ser um produto mais bem trabalhado. Um material fruto de uma investigação mais longa, mais demorada e extensa. Mas a reportagem custa mais caro do que você sair, ir ali na esquina, entrevistar alguém ou, o que é pior: os jornalistas se renderem à força das assessorias de imprensa.
As empresas jornalísticas vivem, permanentemente, em crise – entre outras razões, porque são mal administradas – preferem fazer esse jornalismo barato: muito na base das declarações e do material que chega fornecido pelas assessorias. Não será por aí que eles vão escapar. A reportagem é um produto cada vez mais escasso no mercado jornalístico.

Reportagem: No seu livro “O que é ser jornalista”, quase uma autobiografia, o senhor disse ter curiosidade de saber como a redação da revista Veja tem os textos tão padronizados. Depois de ter trabalhado lá, será que o senhor pode nos explicar essa curiosidade de todo leitor brasileiro: como eles conseguem fazer uma revista inteira parecer ter sido escrita pelo mesmo redator?

RN – Penso que eles já fizeram mais do que fazem hoje. Quando eu trabalhei na Veja – de 77 a 82 – rara era a matéria ou a reportagem assinada. Muito rara. Tinha-se uma preocupação muito grande de reforçar a impressão de que a revista era escrita por uma única pessoa de cima pra baixo. A padronização de texto é muito mais rigorosa do que é hoje. Isso vinha das escolas de jornalismo inauguradas pelas revistas Times, News Week e por outras revistas na Europa que privilegiavam esse tipo de procedimento. A Veja ainda tem isso, mas bem menos. Hoje as matérias são mais assinadas... é possível que o redator possa imprimir os estilos. Naquela época, isso era bem mais rígido. Tudo é uma questão de treinamento. As pessoas são treinadas e acabam fazendo de uma maneira ou de outra.

Reportagem: O senhor foi tachado de “lulista” pelo Diogo Mainardi. E daí?

RN – Ele é um aspirante a Paulo Francis – que foi um grande jornalista -, mas muito distante do Francis. Eu desconfio que ele inventou um “tipo”, que é esse que ele faz, sempre na contra mão, muito irreverente, crítico das pessoas que ele aponta como de esquerda, ou petistas ou não-petistas. Ele acabou refém desse personagem... não mexe comigo a opinião do Diogo Mainardi, não. No caso do blog: tu tens leitores me acusando de ser tucano, até pefelista já fui acusado de ser. Fui acusado também de manter um blog antipetista. O que estaria na contramão da observação do Mainardi.
Não me preocupo com rótulos. Preocupo-me em fazer um jornalismo com um nível de seriedade que eu acho bastante razoável... e tendo por norte a seguinte orientação: meu patrão é quem me lê. Não é, necessariamente, quem me paga. Tenho que estar de bem com o meu leitor. Isso significa: oferecer pra ele, com honestidade, a versão mais próxima que eu consiga obter das coisas que apuro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá! Muito interessante a matéria. Parabéns pelo blog.
abraços