quinta-feira, 13 de junho de 2013

Pena de morte: não existe justiça retributiva que promova a justiça

Não costumo escrever tanto em uma postagem só. Esse é um texto longo e prolixo. Ele é fruto de um debate longo e prolixo. Só vou escrever sobre isso porque fui questionado. A única vantagem da minha posição é que não estou nem aí para os argumentos mais recorrentes a respeito da pena de morte. Não me importo com fatores como "diminuição da criminalidade", "direitos humanos para marginais" e outros forrobodós que não servem para nada do ponto de vista teórico. Portanto, só leia isso com estômago vazio.

O leitor identificado como Rodrigo me perguntou se sou contra a pena de morte. Ele fez um comentário na postagem onde destaquei a postura de um policial militar rodoviário do Paraná.

Curioso.

Na verdade sou contra a morte, em todas as circunstâncias. E isso não munda nada os arranjos do mundo. Mas agradeço o Rodrigo pela preocupação.

Brincadeiras infames deixadas de lado. Sigo:

Nunca discorri largamente sobre o tema da pena de morte aqui no blog. Sou contra, sim. Não sou contra as pessoas morrendo na guerras, mas sou contra a pena de morte. Não sou contra legítima defesa, mas sou contra a pena de morte. Sou contra a pena de morte por um motivo conceitual básico: o utilitarismo, uma superação avançadíssima do contratualismo político, conseguiu deixar de lado a ideia de punição retributiva. A velha tática do "olho por olho dente por dente" (lex talionis) só fazia sentido antes de Hume, Bentham e Mill pisarem na terra. Baixada a poeira da Revolução Francesa, a pena de morte não é uma punição. Acreditem, a vida é a maior das punições, mesmo quando estamos falando de crimes no velho estilo hannibal. É absolutamente compreensível a revolta popular com crimes intolerantes e bárbaros. O povo quer justiça! Certo, certo. O povo quer justiça para os crimes que têm grande repercussão na TV. Mas quer justiça, ora. Os populares podem ser revoltados, e até fascistas. Na verdade, acho que o fascismo é o principal ingrediente de um popular. Mas a sociedade, no seu conjunto, não tem esse direito. Se a democracia se resumisse ao voto, teríamos pena de morte, criminalização da homossexualidade e institucionalização da covardia individual, em troca do bem-estar distribuído pelo Estado. Isso seria qualquer coisa, menos um regime democrático.

Perder a esperança na raça humana não é o mesmo que desacreditar a humanidade de uma maneira mais abrangente. Na raça humana eu não creio mais, mas duvido que se deva desistir de tudo.

Desenvolvo, alors. Convencionalmente, são dois os nossos bens mais essenciais: primeiro, a vida; depois dela, vem a liberdade. Parece ser assim. Achamos bastante razoável retirar a liberdade de alguém com justificativas sólidas, não é mesmo? Damos autoridade para o Estado punir, restringindo a vida civil das pessoas por um determinado tempo, com prisão perpétua (algo que não existe no Brasil, mas é bastante razoável do ponto de vista prático) ou privações civis, por exemplo, a imposição de não acessar determinados ambientes ou se aproximar de determinadas pessoas etc. Essas privações, no entanto, atingem somente o segundo bem essencial: a liberdade.

Por que preservar a vida, então, como algo dotado de valor intrínseco e inalienável e a liberdade não?

Está pergunta está formulada de forma equivocada, e esse é o nosso maior problema. A vida não é algo dotado de valor intrínseco. A liberdade também não tem valor em si mesma. Vida e liberdade são elementos valiosos, apenas, porque não podem ser alienáveis. Não posso passar uma procuração para alguém, entregando a essa pessoa o direito de comandar minha liberdade. Se pudesse, estaria lhe entregando tanto minha liberdade quanto minha vida com a mesma procuração. Isso é impossível, mesmo que fosse meu desejo mais íntimo e honesto.

Outro erro de raciocínio, que provoquei aqui está em sobrevalorar a vida em detrimento da liberdade. Conversa fiada. Isso é usado para confundir. A liberdade de uma mulher tem mais valor que a vida de um gatinho fofucho ou de um feto. A saúde de um homem adulto tem mais valor que a vida de um cão raivoso que está prestes a lhe atacar. Essa é a dificuldade dos crentes ortodoxos. Eles não compreendem que a liberdade de um tetraplégico, que implora para morrer com dignidade, tem mais valor que sua vida em condições miseráveis. Não entendem que uma criança deve ser severamente castigada quando provoca dor em um animal. Faz parte do espírito maluco dessa gente achar que os seres humanos são especiais em tudo que fazem. Estranho é imaginar que o mesmo crente que reclama direitos para um nascituro é aquele que condenaria um homem adulto à pena de morte. Faz parte do imaginário crente ser esquizofrênico. Não posso fazer nada a respeito disso.

Vida e liberdade não são coisas diferentes em espécie, mas em grau. Por mais que o poder judiciário, em algum país onde isso é permitido, condene um indivíduo à prisão perpétua, sua vida não deixa de fazer todo o sentido que adquiriu ao longo do tempo. Quando prendemos alguém, não estamos tirando dessa pessoa sua capacidade de refletir, discordar ou de agir humanamente, mesmo que seu estado normal seja agir de forma desumana. E se ele for condenado à prisão perpétua em regime solitário, na clausura total da escuridão? Ou uma punição que o condene a ter a coluna quebrada para viver na condição de tetraplégico? Muito mais digno condená-lo à morte! Não me espantaria se um contratualista - ou cristão ortodoxo - sugerisse uma pena retributiva desse porte. Pena retributiva e lei de talião não são coisas diferentes, ok? Não podemos admitir isso como uma ferramenta para se promover a justiça. A justiça faz sentido apenas do ponto de vista distributivo.

Vida e liberdade são bens que funcionam como princípios e isso implica que possam ser colocados de lado em troca de bens maiores. Muitas vidas foram trocadas por outros princípios, o da igualdade, por exemplo, durante as revoluções (francesa, americana). Mas nenhuma morte e nenhuma privação total da liberdade é capaz de tornar um estado mais justo. Isso não é punição é vingança. Indivíduos podem ter um comportamento vingativo, entre si. A institucionalização da vingança, como uma política de Estado, só serviria para a destruição dos indivíduos que sobreviverem a barbárie cotidiana. A punição exige, basicamente, o seguinte: uma sociedade que espera do indivíduo remissão e uma publicidade abrangente para mostrar aos outros indivíduos o quão dura pode ser a espada do estado sobre a vida dos cidadãos.

Os seres humanos são vingativos. Os pais castigam as crianças. E o estado pune seus cidadãos. Não necessariamente nessa mesma ordem. Mas é assim que deveria ser.

É uma retórica comum, diante de alguma notícia envolvendo um crime absurdo e cruel (o estupro é o exemplo mais frequente), interrogar aqueles que se posicionam contra a pena capital com a seguinte pergunta: "e se fosse com um filho seu?", diz o defensor da pena de morte. Primeiro, eu "não reproduzo o legado da nossa miséria", como disse Brás Cubas. Mas, como qualquer ser humano normal, sou extremamente sentimental e daria minha vida para defender muitas pessoas que amo. Se minha namorada, comprando o exemplo acima, fosse agredida, não seria necessário um caso tão extremo para que eu abandonasse minha sobriedade mental com o objetivo de provocar sérios damos a vida do agressor. Por muito menos, já seria capaz de extravasar o pior de mim e matar alguém. Não tenho dúvidas que, mesmo que isso custasse minha própria vida, todo o meu lado destrutivo e vingativo seria exposto para aniquilar o algoz. Eu não sou o Estado. Homem nenhum é. Isolado, não sou promotor da justiça. Sou apenas um homem. E homens podem ser vingativos. O Estado, em condições normais, não pode.

Em condições normais, eu escrevi. Acredito, sinceramente, que a morte de muitas figuras são bens sociais infinitamente maiores que suas vidas ridículas. Durmo e acordo sonhando com uma morte violenta e dolorosa para Aiatolá Khomeini. Espero que morra em meio a uma primavera iraniana, se um dia ela chegar reivindicando liberdade e igualdade para aquele povo miserável. Houvesse uma revolução no Irã, a morte do Líder Supremo faria justiça a muitas vidas já despedaçadas e ceifadas. Muitas mulheres poderiam reivindicar a condição de seres humanos e muitos pais de família não precisariam entregar seus filhos em escolas preparatórias para homens-boma. Precismos ter em mente, no entanto, que não vivemos em um estado de exceção ou guerra.

No Brasil, caso eu matasse um estuprador por vingança, seria condenado, suponho. Pegaria, no máximo, uma dezena de anos, com meu sorriso simpático e um juri legalzinho. Cumpriria um sexto da pena e iria para casa, viver minha vida. Isso está longe de ser justo. Na Noruega, disparado um dos países mais jutos e desenvolvidos do mundo, eu poderia ficar 21 anos na prisão. Recentemente, aliás, os noruegueses acabaram com a prisão perpétua. Sou contra a pena de morte aplicada pelo estado porque ela não promove a justiça. Não me oporia a um atentado contra a vida de Ander Behring, projetado por algum amigo ou familiar de uma das 77 pessoas que ele matou na Noruega. Esse é o grande paradoxo. Só podemos promover a justiça unidos em uma sociedade estável e razoável. Todo o resto é um conjunto de bazinga e wiskas sachê.

Gostaria de observar que um liberal não precisa de motivos alucinados, envolvendo direitos humanos ou defesa das chamadas "minorias" - numericamente a minoria é sempre a maioria, aliás - para ser contra a pena de morte. Diferente do que pensa a autointitulada "filósofa" Marilena Chaí, que abarrota sua conta bancária com dinheiro estatal distribuindo livros panfletários e militantes nas escolas públicas, não é preciso participar da classe média para ser fascista. Posições fascistas são típicas de países com altos números de impunidade e injustiça e, principalmente, os mais pobres e humildes distribuem os ensinamentos da ignorância. Acabar com a pobreza e ignorância ninguém quer. Mas pedir para o Estado matar os pobre ignorantes é a pauta da vez. A musa do PT, que nunca entrou em uma favela na sua vida, precisa dar ouvidos as opiniões fascistas daqueles que ela mais defende. Mas não espero que uma ideóloga de uma estirpe tão baixa reconheça algo tão elementar.

Em virtude desses assuntos polêmicos renderem textos longos, eu acabo evitando entrar em detalhes. Mas, quando provocado, até me animo a discutir. Espero que isso tenha servido como resposta ao Rodrigo. Valeu!

2 comentários:

Anônimo disse...

Serve sim Maciel! Serve também para desintoxicar algumas ideias arraigadas na minha formação humana. Sabe, eu sou a favor da pena de morte! E isso também não faz qualquer diferença, como bem sabemos!De qualquer forma, esse meu posicionamento parte da premissa na qual me diz que não vivemos em uma sociedade que impera ideais democráticos. Aliás, ideais esses extraídos de duas revoluções externas, a francesa e a americana e de uma dezena de outras nacionais que também ora pregavam tal fábula. Talvez, e sem qualquer ranço ideológico, ou até tendo algum, vá saber, essa democracia a que referes esteja presente dentro de algum grupo mais "seleto" dentro da sociedade. Não sei. Concordo com a ideia de que o totalitarismo nasce na pobreza e isso a história já havia mostrado com Hitler e mais cedo com Mussolini. Então, com base nisso, e não querendo construir qualquer sofisma, penso que em uma sociedade na qual os maiores esclarecimentos a respeito de politica e do cotidiano sejam representados pelos capítulos da novela das oito, não poderia ser diferente. Não. eu não vejo novela! Não tenho tempo, mas às vezes, para estar presente junto às pessoas é quase impossível vencer o monopólio da TV naquela hora. E observar como são construídos os discursos acaba sendo uma forma mais inteligente de passar esses momentos... Somos, quando digo somos, estou fazendo referência aos modelos que possuo como exemplo, moldados a viver de forma retributiva! A educação é moldada para esse formato. Não há conversa. E isso, é claro, é direcionado para essa questão polêmica. Pensar diferente, ok! Por isso queria ler a tua opinião e sinceramente já esperava essa resposta. Uma analogia a esse respeito seria o caso do homem traído que ao invés de acabar o relacionamento queima o sofá, local da traição. Entendi que não basta matar, é preciso deixar o miserável vivo para que sofrimento do dia a dia de uma amarga prisão o faça sentir o mal que fora causado. Pensando assim, realmente tens razão. Já na minha visão, mais estreita, defendo que em alguns casos não há que se falar se quer em justiça. Sim, Talião puro! Fascista até certo ponto. O indivíduo se torna fascista em determinados momentos, tu também concordas com isso. O que eu acredito é que o estado poderia fazer esse papel. Tchê, há casos que a punição letal funcionaria como modelo pedagógico. Flagrante de crime hediondo, não há dúvidas que o sujeito praticou o crime. Não haverá redenção para esse indivíduo, pra que continuar com esse corpo ocupando espaço? Eu sei que tu não falou nada de reeducar alguém ou transformá-lo em um ser que possa ser inserido na sociedade e outras balelas usadas por defensores estreito da não pena de morte!Pena de morte é solução final institucionalizada dirás, mas hoje nesse país de miseráveis que vivemos, onde a barbárie impera a solta, talvez tenhamos que retroceder para reconstruir mais a frente. Pra finalizar, creio que copiamos cedo de mais algo que ainda não entendiamos. É preciso educar para depois aplicarmos conceitos tão complexos como democracia e civilismo. Hoje, acho que não há como. Assunto por demais polêmico esse, tchê! De qualquer maneira, mais uma vez obrigado pela resposta.

Everton Maciel disse...

Tamo junto, velho. the life of david gale: esse filme é massa. Sobre o tema. Nada teórico. Mas bem amarrado o roteiro.

te a próxima.