José Fucks, para a Revista Época
Por ser um dos expoentes do movimento global de inclusão social, muita gente pensa que o economista Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006 e fundador do Grameen Bank, de Bangladesh, maior banco de microcrédito do mundo, é a favor de uma maior intervenção do Estado na economia. Mas, ao contrário do que se imagina, ele diz que o melhor sistema para promover o desenvolvimento ainda é a livre iniciativa e o capitalismo e que a crise não é motivo suficiente para substituí-lo. "Não há nada além disso que possamos adotar. É o sistema que funciona, que gera crescimento para a economia, que reduz a pobreza no mundo", afirma Yunus. "Independentemente das críticas, dos defeitos da economia de mercado, acho que não temos motivos suficientes para abandonar o sistema." Na semana passada, antes de embarcar para o Brasil para participar da ExpoManagement, principal evento voltado para executivos do país, a ser realizada de 10 a 12 de novembro em São Paulo, Yunus falou com exclusividade a ÉPOCA sobre sua visão da atual crise internacional e o uso de recursos públicos para salvar grandes bancos internacionais da falência. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
ÉPOCA – Como o senhor vê a atual crise financeira global e a forma como ela vem sendo administrada pelas autoridades e instituições internacionais?
ÉPOCA – Como o senhor vê a atual crise financeira global e a forma como ela vem sendo administrada pelas autoridades e instituições internacionais?
Muhammad Yunus – Antes de mais nada, é um desastre terrível, um desastre global. É algo que nunca aconteceu dessa forma antes. As pessoas ficaram se questionando se ela estava realmente acontecendo, se ela era real, antes de tomar uma atitude. Os governos eram as únicas instituições que podiam ajudar a superar esse problema. Então, eles tiveram que agir. Provavelmente, essa era a única solução que podíamos ter. A questão agora é se as medidas tomadas pelos governos terão o impacto desejado. Nos Estados Unidos, na Europa, todos os governos estão tentando proteger o mercado e os bancos, que estavam tombando um depois do outro. Agora, está chegando a hora de saber que efeito essas medidas terão e se nós estaremos prontos para começar tudo de novo.
ÉPOCA – O senhor tem feito algumas críticas à intervenção dos governos durante a crise. Por quê?
ÉPOCA – O senhor tem feito algumas críticas à intervenção dos governos durante a crise. Por quê?
Yunus - Uma das coisas que tentei esclarecer é que, dessa vez, esse desastre aconteceu tão de repente que as pessoas ficaram completamente desorientadas sobre o que fazer. Os governos tiveram que agir para que essa crise não se tornasse muito maior. E os governos fizeram a coisa certa. Não há dúvida em relação a isso. A questão é que, se a gente não corrigir o sistema e voltar para o mesmo velho sistema ao sair da crise, as próximas crises serão ainda mais devastadoras do que essa. Não devemos esperar isso acontecer. Antes de a gente sair dessa crise, precisamos encontrar soluções para o futuro. E a solução para o futuro não é o salvamento governamental. A solução é construir soluções de mercado. O mercado tem que encontrar a solução por ele mesmo, para que esse tipo de crise nunca mais aconteça. O mercado precisa desenvolver um mecanismo que permita uma caçada às bolhas em qualquer lugar do mundo, para que, quando surjam sinais de alguma bolha, um alarme possa soar, para que a bolha não cresça mais e não haja um efeito tóxico no dia-a-dia do mercado. Se pudermos identificar as razões que criaram essa bolha, poderemos criar mecanismos de defesa a partir do próprio mercado.
ÉPOCA - O senhor acredita que, depois dessa crise, ainda devemos acreditar nos mecanismos de mercado para gerenciar as economias de todo o mundo?
ÉPOCA - O senhor acredita que, depois dessa crise, ainda devemos acreditar nos mecanismos de mercado para gerenciar as economias de todo o mundo?
Yunus - Não há nada além disso que possamos adotar. É o sistema que funciona, que gera crescimento para a economia, que reduz a pobreza no mundo. Independentemente das críticas, dos defeitos da economia de mercado, acho que não temos motivos suficientes para abandonar o sistema. Temos razões para consertar o sistema. Antes de abandonarmos a economia de mercado, temos de encontrar outro sistema que funcione melhor do que este. Mas não existe um outro sistema. Então, temos de inventar um. Até fazermos isso, temos que ficar com este sistema e encontrar uma forma para evitar problemas como o que vivemos hoje.
Saiba mais
ÉPOCA - Muitos economistas disseram durante a crise que o economista John Maynard Keynes, que defendia uma maior participação do Estado na economia, está mais vivo do que nunca. O que o senhor acha disso?
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ÉPOCA - Muitos economistas disseram durante a crise que o economista John Maynard Keynes, que defendia uma maior participação do Estado na economia, está mais vivo do que nunca. O que o senhor acha disso?
Yunus - É porque o governo teve de intervir. É algo de que as pessoas tinham esquecido. O governo tem o seu papel. Essa crise mostrou que o governo tem um papel muito importante. Mas acho que essa é só uma retração de curto prazo da economia de mercado. A economia de mercado deve resolver seus próprios problemas, em vez de pedir ajuda aos governos. Só que o mercado precisa desenvolver novos mecanismos para que, a qualquer sinal de doença, possa tomar conta de seus próprios problemas.
2 comentários:
Vou mandar esse cara debater com John Rawls.
Rawls concordaria com keynes.
Yunus está certo em vários pontos. Mas um só basta: ele fala “O capitalismo é o sistema que funciona". É isso. Não falamos de "bom" ou "mau". A questão é ser viável ou inviável. É isso que faz a economia, uma ciência descritiva. Ou há em uma ciência descritiva o estabelecimento de valores morais?
Carlo Minto
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