sábado, 16 de agosto de 2008

Conheçam meus ídolos

Everton Maciel, de Pelotas

Sou fã dos lixeiros que recolhem o lixo da minha rua. Todo mundo tem ídolos. Há quem venere o Cazuza, outros preferem o Latino, tem gente até que venera Deus, Alá e Maomé! Eu não me conformo com esses ídolos. Sou fã mesmo dos lixeiros que recolhem o lixo das ruas Santa Cruz e Telles em Pelotas. Adoro eles. Tiro foto, abano, mando beijos. Cumpro todo ritual de um fã de verdade. Um fãzaço! Quando crescer, quero ser igual eles. Todos os dias, de segunda a segunda, eles passam, catedraticamente, entre 1h e 1h30 da madrugada com o seu caminhão barulhento na rua Santa Cruz. Quando a tarefa se realiza perto da 1h30, o barulho é ainda maior. Claro, eles estão atrasados. Precisam correr contra o tempo. Mesmo assim, realizam sua tarefa com afinco, sem faltar um dia.

A essa altura você já deve estar pensando que estou sendo irônico, pois sou acordado pelo caminhão do lixo todos os dias de madrugada. Nada disso. Adoro tanto o trabalho daqueles rapazes que sou despertado com louvor. Fico feliz em ter o sono interrompido. Eles realizam uma tarefa muito mais nobre que a minha de repórter: fazem com que a rua acorde sem um saco de lixo sequer no outro dia. Sou fã dos lixeiros. Tenho orgulho deles. Enquanto escrevo, meu peito infla!

Os marxistas de plantão devem pensar que essa minha admiração vem de algum sistema comunitarista ultrapassado do século 19. Deixem de ser ingênuos. Meus ídolos, os lixeiros, são superiores as utopias acéfalas de vocês. Eles são pessoas divinamente integradas, inteligentes e, o mais importante, perfeitos neoliberais!

Sou fã do neoliberalismo dos lixeiros!

Olha só: todos os dias, sem falhar um, observo-os recolhendo o lixo de uma pizzaria muito chique que fica em frente ao meu apartamento. Como a pizzaria é muito chique e cara, pega mal ter uma lata de lixo na porta. Afinal, se você paga 40 reais uma pizza não quer ser recebido por um monte de lixo. Melhor deixar essa tarefa para o porteiro que veste um elegante terno e uma gravata impecável. Resultado: como não há lixeiras para serem depositados os detritos do estabelecimento, os nobres, valentes e neoliberais lixeiros realizam um pequeno desvio de função. Eles recebem o lixo da pizzaria direto das mãos dos funcionários, que aguardam atentamente a chegada do caminhão de lixo para retirarem os tonéis enormes com todo o acúmulo de detritos gerado por um dia de intenso movimento na pizzaria. Em troca do trabalhinho “particular”, a recompensa vem com louvor: uma garrafa com dois litros de Coca-Cola, o maior símbolo mundial do capitalismo! Faz sentido. Depois de uma longa noite de correria, gritos e estresse para manter a cidade limpa, nada melhor que uma Coca-Cola bem gelada para matar a sede.

Esses rapazes do lixo não são fantásticos? Perto deles, os operadores do mercado financeiro parecem crianças mal-educadas, gritando por um pirulito no salão de negócios meio a Bovespa. Os lixeiros, sim, sabem ser capitalistas.

Quer atividade mais neoliberal que a de lixeiro em Pelotas? Sou fã de vocês, guris! Se um dia esse caminhão estragar, eu morro...

Nenhum comentário: