sexta-feira, 2 de maio de 2008

A hora em que o sol se põe - parte II

Caros leitores, desculpem o atraso, mas a conexão de internet estava, simplesmente, imprestável hoje.

Essa é a segunda parte do conto "A hora em que o sol se põe", da colega Ana Zyk. Sou suspeito para opinar, mas o final é surpreendente. Serão quatro capítulos desta vez.


Ana Zyk

Eram 17h30 e como de costume a campainha tocou. Ansiosa, corri até a porta e sorrindo a abri. Conforme a angulação da abertura da porta aumentava, a imagem do outro lado só me revelava um ser incompleto. Incomodado. Ele não veio por inteiro para mim. Ombros curvados. Gravata já afrouxada. Camisa suada. Ar sério e preocupado. Minha alma desestruturou. Mas eu sorri. E o beijei dividindo toda minha saliva com ele. Um beijo intenso e completo. Não fui igualmente correspondida.

Ele estava rompendo com nosso trato. Pela primeira vez em dois anos ele entrava em meu apartamento trazendo seus problemas. Nunca dividíamos nada de nossas vidas pessoais, preocupações e nem nos fazíamos cobranças. Tínhamos nossas horas, nossas datas marcadas de encontro e quando estivéssemos juntos seria um momento intenso. E era. Porque mesmo não falando da vida pessoal de cada um, éramos muito íntimos. E naquela tarde ele rompeu com o acordado. Fingi não perceber. Fui logo completando ele de amor e sem dizer uma só palavra o levei para o chuveiro. Lavei seu corpo todo observando cada pedaço. Ele me fitava apaixonado e, ao mesmo tempo, aflito. Minha mão escorregava devagar em suas costas e como um pincel passando por uma tela, explorava cada espaço para não deixar nada em branco. Assim foi em seu corpo todo. Sim! Essa foi minha maneira de dizer que o queria inteiro. Mas ele não me entendeu. Algo lá fora, além de nosso apartamento, o incomodava. Ele me beijava e me abraçava mas não com toda a intensidade. Desliguei o chuveiro e o conduzi até nossa cama. As velas, já acesas, aguardavam para iluminar a dança do nosso ato de amar. Sempre o esperava com as velas. Mas novamente algo faltou, foi um pedaço dele esquecido sabe-se lá onde. Eu senti. E cada momento naquela cama com ele me fazia agonizar ainda mais. A escuridão do quarto, improvisada pela cortina, para dar o ar da graça do fogo das velas, em outros momentos me inspiraria perversidades de uma amante apaixonada, mas naquela tarde não. Eu senti. Senti que as velas não dançavam numa mesma coreografia e que nossa sombra provocada pela penumbra movimentava-se descompassada na parede do quarto.

Parei.

Acendi um cigarro. Sempre o mesmo que o dele. Nossas sombras ainda estavam iluminadas na parede. Mas agora somente o leve balanço descompassado das velas fazia-nos dançar na parede.
Ele respirou fundo.

“Tenho que te contar algo”, disse percebendo que não havia mais como guardar.

Nenhum comentário: