sexta-feira, 30 de maio de 2008

Desajeita-me

Ana Zyk, a contista das sextas-feiras

Ele me vira de cá pra lá ao dançarmos pela sala. Batemos nos móveis, por vezes até derrubamos objetos de cima das estantes. Rimos, embevecidos pelo vinho barato. Meu braço direito envolto em seu pescoço, a mão segura um copo vazio, e o cigarro vacila entre os dedos da mão esquerda.

Um romance? De forma alguma. Meus romances sempre foram chatos. As namoradinhas chatas enchem a paciência dos parceiros, que querem, no domingo, jogar o seu futebol. Tudo o que quero, agora, é dançar. Não quero mais ter uma relação ajeitadinha, não quero as coisas no lugar. Quero desajeitar os móveis impecavelmente em seus lugares, pelas minhas manias de organização. Quero desajeitar minha vida tão ajeitada pelas convenções. Quero desajeitar meus conceitos sobre o amor. Quero morrer de amor. Quero um romance desajeitado e mal-escrito. Quero uma música inteira para poder dançar enlouquecida na sala e rir feito uma criança.

Está acabando o vinho. Cadê o vinho? Como desarrumar a casa sem o vinho? Não conseguiria desajeitar nada nesta minha vida correta sem o vinho. A música está acabando e eu ficarei sem saber o que fazer em pleno silêncio. Minhas gargalhadas não serão espontâneas. Quero que ele continue me virando de cá pra lá e vire pra lá e pra cá minha vida e derrube os móveis e desajeite minha vida e me faça rir espontaneamente.

Vou buscar mais vinho. Vou mudar a música. Vou acender mais um cigarro. Quero poluir meu pulmão e limpar meu cérebro tão poluído com mensagens de que fumar faz mal a saúde.


Vinho. Música. Risos. Cigarro. Dança.

Mãos grandes dele em minhas costas. Ele me aperta. Ele vai desajeitar tudo.

Vinho. Música. Risos. Cigarro. Dança.

Mãos grandes dele em minha cintura. Ele me aperta. Ele vai me desajeitar.

Vinho. Música. Risos. Cigarro. Dança.

Mãos grandes dele em meu bumbum. Ele aperta.

Vinho. Música. Risos. Cigarro. Dança.

Suas mãos em minha coxa levantam minha perna para que ele possa tocar minha va...

“Scrash. Prim-prim-prim”.

A porquinha da minha coleção de bichos de miniatura em vidro caiu no momento em que batemos na minha estante, no momento em que ele ia me desajeitar.

Larguei minha perna de sua mão grande. A dança parou. Apaguei o cigarro. Meu semblante ficou sério. A música parou. E o vinho? Joguei em sua face.

Onde estava com a cabeça? Não. Eu não posso. Não vou conseguir desajeitar minha vida. Não quero tocar a música. Nem beber o vinho para rir espontaneamente. E nem dançar enroscada no pescoço dele e sentir suas mãos grandes em mim. Só assim minha coleção de bichinhos de vidro em cima da estante estará organizada e ajeitada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Mais uma fez vc Ana nos supreendeu, vc tem uma intimidade com as palavras incrivel!!
Parabens!
Continui assim!!

** keycianne Oliveira!

Anônimo disse...

Katon, Goukakyu no jutsu.