sexta-feira, 25 de abril de 2008

A hora em que o sol se põe

Mais um conto do Capeta. "A hora em que o sol se põe" será publicado em três ou quatro capítulos. Sempre às sextas-feiras. Mais um trabalho de Ana Zyk, a moça que descobriu um jeito diferente de fazer as palavras falarem.

Ana Zyk


O silêncio se fez naquele momento. Seis horas da tarde. O sol escorria no céu como o sangue dele em minhas mãos, deixando o rastro incrivelmente avermelhado. O sol, que pulsava cada vez menos intenso no horizonte, partindo vagarosamente, parecia estar em sintonia com o ritmo com que ele morria em meus braços. O calor do sol. O sangue ainda quente em minhas mãos. Parecia uma grande orquestra em um compasso perfeito. E em sintonia, eles se apagaram. Sobrando apenas a escuridão.

Eu o matei. Assim como todos os dias a natureza apaga o sol. Foi natural. Não havia o que fazer.

E eu o matava todos os dias também, pois o amei todos os dias. Cada célula do seu corpo, cada fio de seu cabelo. “Você me mata, minha pequena”. Ele dizia sempre ao finalizarmos nossas transas enquanto acendia seu cigarro. Dizia-me consciente da resposta, que era quase um mantra para perpetuar nosso laço carnal: “Eu lhe mato de amor, meu bem”. E acendia meu cigarro sem tirar os olhos dele, sem tirar minhas mãos dele, como que para penetrar-me o seu cheiro mais e mais. Adorava admirar seu semblante após fazermos amor. Olhos satisfeitos, expressão serena, mansa, braço esquerdo para trás de sua cabeça. Um ligeiro sorriso no rosto. Seu corpo em pleno relaxamento.

Aquela imagem era como um prêmio para mim. Um troféu ornamentado. Uma escultura no meio de uma praça movimentada, atraindo olhares e turistas fotografando embevecidos pela perfeição artística. Assim era ele deitado em minha cama, sempre com a mesma expressão. Na mesma posição. E eu ali sentada ao seu lado, nua, fumando um cigarro, que fazia questão que fosse igual ao dele, fitando-o e percorrendo meus dedos por seu corpo. Era assim sempre. E nos encontrávamos todos os dias e cada vez mais eu queria enchê-lo com meu cheiro de sexo. E, todos os dias inventava novas frases para dizer-lhe no seu ouvido enquanto nos aquecíamos em ambos os corpos. E inventava brincadeiras para nos divertirmos juntos e lhe contava dos meus planos de viagens com ele. E incansavelmente esperava-o todos os dias para despejar as minhas energias que eram reservadas só para ele.

Ansiava sua chegada e agonizava sua partida. Entregar-me a ele era como se jogar em uma taça de vinho tinto suave e saborear gole por gole. Me liquefazia em suor com suas carícias como parafina em contato com fogo. E o suor e todos os líquidos oriundos de dentro de mim, causados pelo movimento de nossos corpos enquanto fazíamos amor, fazia o fogo das velas espalhadas pelo chão do quarto dançar e derreter sua parafina e dar luz e sombras aos nossos corpos que dançavam na parede do quarto. E assim fechava o círculo virtuoso do amor: nossos corpos em movimento, pingando em suor, a chama das velas dançando derretendo a parafina e projetando nossa dança na parede.

Assim eu o tinha todos os dias. Aquelas poucas horas dos finais da tarde, antes de dizer que precisava ir, ele era meu. Por inteiro.

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