sexta-feira, 21 de março de 2008

Morangos - final

No último capítulo de Morangos...

Ana Zyk, jornalista

A sala enorme da minha cobertura se tornou pequena. Ela sentou-se em meu sofá. Apresentou o exame e começou a se queixar de eu não ter ido procurá-la, das necessidades de sua família e de como seria difícil ter um bebê. Eu, de toalha ainda, me servi uma dose de whisky e bebi silenciosamente enquanto Catarina falava.

- “E então? O que pretende fazer?” Ela me perguntou, dona de si.

- “Catarina é seu nome não é? Então, Catarina, sempre fui um homem cafajeste e em todo esse tempo nunca engravidei uma mulher. Gosto desta minha vida e se você veio aqui pretendendo se casar comigo, está perdendo seu tempo. Vou ser franco e direto: o ideal é tirar”. Respondo com o olhar gelado.

- “Você está louco? Não vou tirar nunca! Agora teremos que assumir e eu não vou assumir sozinha”.

- “Louca está você que acha que pode entrar na minha casa e fazer exigências”.

- “Então pague pra ver quais serão as conseqüências”. Ela finaliza e sai do meu apartamento batendo a porta.

Sabia que estava encrencado. Ela poderia sim me ferrar. E sabendo que eu tinha dinheiro poderia sugá-lo. Não dormi naquela noite. Não liguei para Paula no dia seguinte. Nem para Suzana. Nem para Alexandra. E nem para nenhuma outra garota que, estalando os dedos, cairia nos meus braços como fada.

Passei meus dias seguintes recluso em minha cobertura, somente olhando para o mar. Eu e o mar. Sempre chega um momento na vida de um indivíduo em que paramos para refletir sobre nosso modo de viver até então, e para mim chegou aos meus 30 anos trazido por uma menina de apenas 17. Pensei em laços amorosos e familiares, os quais eu nunca tive. Talvez por isso nunca senti falta. Horas de reflexões depois, resolvi tomar uma atitude. Larguei o copo da última garrafa de whisky importado que eu tinha, me vesti e saí. Estacionei meu carro em frente ao Quiosque. Catarina me avistou. Disfarçou um olhar satisfeito.

Desci e pedi um suco de morango a ela. Fiquei analisando todo o processo até o suco ficar pronto. Queria poder sentir o que senti naquele dia. E talvez transformar essa minha loucura por morangos e mulheres em amor. Olha eu aqui falando em amor. Catarina era uma desconhecida sim, mas vendo sua relação com os morangos, tão despreocupada com a sensualidade em que eu os depositava, a fazia a mulher mais poderosa do mundo. Neste dia não tocamos no assunto “gravidez”. E eu passei a ir todos os dias no Quiosque para vê-la fazer o suco de morango e exercitar a vontade de amá-la.

- “Você não enjoa deste suco, não?” perguntou ela, depois de semanas de freqüência assídua no Quiosque.

- “Quando enjoar do suco, enjoarei de você”, respondi, sem olhar para.

- “O que quer dizer? Você mudou de idéia?”

- “Sim”.

Casamos no mês seguinte.

Comprei uma casa para nós, mas não vendi minha cobertura na Praia Brava. Algo me dizia que ainda precisaria daquele lugar.

Catarina deixou de trabalhar no Quiosque. Enjoava cada vez que tinha que fazer um suco de morango. Aliás, ela enjoava cada vez que ouvia a palavra “morango”. E com isso acabei enjoando dela também, antes mesmo de o bebê nascer. Voltei a procurar as amantes. Passei a fazer sucos no apartamento da Brava mesmo para realizar minhas fantasias com elas. Catarina sabe das minhas fugas com elas, mas não reclama, tem tudo o que precisa e sempre fui um bom pai.
Continuo escolhendo muito bem as minhas amantes, são iguais as geléias de morango da empresa que sou herdeiro, concentradas e doces, mas a minha mulher eu não soube escolher. Tem gosto de suco de morango dissolvido em água e derramado ao chão.

***

Na semana que vem, um novo conto de Ana Zik. Aguardem, e não roam as unhas!

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